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Imagens que falam, palavras que tocam

Autora: Denise Barreto Resende


Estamos imersos, cada vez mais, numa profusão de imagens e a fotografia ganhou um lugar de destaque no mundo contemporâneo. A facilidade de registrar os momentos através das câmeras de celular e compartilhá-los com o mundo, traz um questionamento sobre o que podemos, de fato, ver. Será que o nosso olhar está tão naturalizado com tudo que vemos ou somos capazes de interrogá-lo?

Com o objetivo de desenvolver a percepção sensível e a imaginação criadora em relação à fotografia, valorizar a leitura de imagens como forma de conhecimento e fruição, desenvolver a expressão oral das crianças sobre a leitura que fazem das imagens fotográficas e aperfeiçoar as produções das crianças para que possam entrar em um circuito comunicativo real, a professora Denise Resende desenvolveu o projeto “Imagens que falam, palavras que tocam” com a turma 1402 do Ciep Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda no ano de 2016.

Todos os anos fazíamos, pelo menos, um projeto que trabalhasse com diferentes linguagens. Tenho como prática aliar as artes ao ensino e aprendizagem da leitura e escrita, utilizando diferentes gêneros do discurso. Esta foi a proposta que compartilhei na roda de conversa com os estudantes e que foi recebida com muito entusiasmo pelo grupo. O projeto que propus teria como ponto de partida a fotografia.

Apresentei aos estudantes um pouco da história da fotografia desde a antiguidade, os estudos durante os anos que possibilitaram o avanço tecnológico, a primeira fotografia e as câmeras antigas. Trouxe a discussão, a partir de imagens, o que eles poderiam considerar como sua função, fazendo um paralelo com a atualidade e nossa inserção nas mídias sociais. A pergunta para a reflexão foi se, realmente, estamos usando-a a fim de contar uma história, expressar emoções ou eternizar momentos, como eles afirmaram.

Selecionei algumas fotos que poderiam ser significativas para eles (acontecimento histórico, fotos expressivas de crianças, fotos de futebol, por exemplo). Enquanto as víamos, pedia para que falassem o que estavam vendo e sentindo. Ao mesmo tempo, fui escrevendo no quadro as palavras que diziam.

Nesse momento, pude explicar, com mais detalhes, qual seria a proposta. As palavras sugeridas, baseadas nas fotos, serviriam de tema para contarem uma história por meio de fotografias que eles mesmos iriam tirar, isto é, contariam uma história com um tema pré definido, utilizando uma linguagem não verbal.

 

Fonte: Acervo pessoal da autora

 

Para desenvolver um bom projeto, não basta ter uma boa ideia. Muitos fatores precisam ser levados em conta. Algo muito importante é a percepção que o professor tem da turma. Por exemplo, o Projeto seria realizado em duplas, assim, pedi para os estudantes evitarem ficar com os amigos mais próximos e tentarem formar duplas diferentes. Expliquei que seria interessante trabalhar com pessoas com que não estivessem habituados, com objetivo de ter a possibilidade de trocar mais entre si. Isto poderia enriquecer o trabalho.

Fonte: Acervo pessoal da autora

Antes de se organizarem para tirarem as fotos, pedi que escrevessem, com suas palavras, o significado das palavras que disseram. Que momento marcante! Quando li a descrição de Pedro para superação “Eu acho que superação é você tentar fazer alguma coisa que você tenta fazer, mas tem medo, mas quando a gente dá o melhor, a gente consegue.” compreendo que as interpretações realizadas pela criança dependem do contexto e das situações vividas e que é de suma importância fazer emergir, dentro da escola, espaços de negociações das diferentes maneiras de ver e de dizer o mundo.

Cabe destacar que os textos produzidos, pelos estudantes, foram relidos por eles com minha mediação, com objetivo de revisão e reescrita. Eles utilizaram o dicionário, ajudaram e foram ajudados pelos colegas.

 

Fonte: Acervo pessoal da autora

 

A etapa seguinte do projeto foi discutir, com seus pares, sobre como representar a palavra em forma de fotografia.

No momento da discussão, ouvi um diálogo muito interessante que vale compartilhar:

P: Qual é a sua palavra?

R: Dor.

P: Muito fácil. É só você fingir que alguém está te dando um soco e fazer cara de dor.

R: Não! Eu não vou falar dessa dor, mas da dor que dói aqui dentro (colocando a mão no peito).

Como me emocionei! Enquanto os alunos conversavam, eu caminhava entre eles e percebia as muitas vozes que ecoavam em seus discursos e o quanto é necessário se fazer ouvir!

Após a discussão, cada dupla se organizou para tirar suas fotos. Apenas orientei que usaríamos os espaços da escola. As fotos seriam tiradas por eles com o meu celular e depois, caso fosse necessário, editadas também. Levamos mais ou menos duas semanas para todos fotografarem. As fotos foram muito criativas. Os estudantes usaram o banheiro, o corredor, o jardim, a secretaria, o parquinho, o pátio, o muro da escola e a quadra também. Alguns participaram das fotos, outros convidaram outros estudantes da escola para serem os modelos.

Com tudo finalizado, organizamos a apresentação do Projeto na Feira do Conhecimento. Essa Feira é um evento anual, onde cada turma tem a oportunidade de mostrar um trabalho que desenvolveu, durante o ano, e é aberta ao público.

 

Fonte: Acervo pessoal da autora

 

Fizemos uma exposição de maneira singular. As fotos ficaram dentro de caixas, em cima das mesas. Propositalmente, as pessoas tiveram que se abaixar para “descobrirem” o que tinha. As palavras ficaram presas, viradas para baixo. O objetivo era que primeiro vissem a foto e refletissem e só depois descobrissem o significado da imagem. Tudo isso era explicado pelos estudantes antes que o visitante iniciasse o percurso. Posso dizer que senti um encantamento tão grande! Normalmente, passo o dia orientando, contudo, nesse ano, pude observar   e   curtir   cada   momento!  Vi   as   crianças super empolgadas, dialogando, propondo reflexões. Vi pessoas sorrindo e chorando. A mãe de uma das crianças falou que tinha gostado de todas, menos da foto que o filho dela havia tirado. Perguntei o porquê disso. Ela me respondeu que a representação que seu filho fez da dor era uma lembrança muito viva do que já tinham passado por duas vezes! Então respondi que ele tinha conseguido transmitir a sua mensagem.

No final do percurso, as pessoas poderiam deixar suas mensagens num painel sobre como se sentiam e o que tinha chamado mais atenção. Recebemos muitas mensagens com uma única palavra, pequenos textos ou desenhos. Recebemos em nossa exposição cerca de 300 pessoas.

No dia seguinte, fizemos uma roda de conversa sobre a repercussão da Exposição das fotografias, a partir do painel de mensagem e da experiência vivida pelos estudantes. Eles falavam empolgados sobre a exposição, reproduziam as falas das pessoas, davam sua opinião. O que ficou evidente é que cada um tem um olhar, as vozes que nos constituem são diversas e nossas vivências repercutem muito como entendemos o mundo.

Normalmente o Projeto terminaria ali, todavia, dentro de mim ele ainda não estava acabado. Tudo foi muito impactante, não só para mim, mas para as crianças também. Vi muitos olhos brilhantes! As fotos ficaram em uma exposição permanente no corredor da escola, mas ainda era pouco. Então tive uma ideia que surgiu das mensagens recebidas no mural da exposição. Apesar de haver fotos que remetiam a sentimentos de dor e tristeza, as mensagens foram todas de esperança, fé e amor. Por isso, resolvi propor à turma que transformássemos as fotos em cartões de Natal. Faríamos um amigo oculto e trocaríamos os cartões em uma Festa de Fim de Ano, com a presença dos responsáveis e a participação dos outros professores da turma (Artes, Inglês, Educação Física e Sala de Leitura). Claro, eles aceitaram prontamente! Um estudante fez uma observação pertinente: “Como fazer um cartão de Natal com uma foto de dor?” Então duas duplas tiraram outras fotos e os professores também precisaram entregar fotos. Cada um escreveu para o seu amigo oculto, com base nas fotografias. Fizemos a revisão dos textos e reescrita. No dia da Festa de Fim de Ano, fizemos uma grande comemoração com a participação dos responsáveis. Foi muito especial. Cada criança leu a mensagem que escreveu, o que deixou os pais orgulhosos!

 

Fonte: Acervo pessoal da autora

 

Mais uma vez, propus aos estudantes algumas reflexões sobre a sociedade em que vivemos e pude perceber o desenvolvimento do senso crítico, ao questionarmos como as imagens vêm sendo divulgadas nas mídias sociais. Pude avaliar, constantemente, cada um deles, através das frequentes interações que promovíamos, nas quais eles expressavam sua compreensão do que estava sendo proposto, além de trazerem contribuições para o (re)planejamento na continuidade do Projeto. Além disso, as relações que se fazem em sala de aula, com suas duplas, nas rodas de conversa, nas trocas uns com os outros, são importantes para compreendermos o crescimento deles e entre seus pares. Percebi como foram significativas as atividades coletivas, pois houve um reflexo nas atividades individuais que foram a descrição das palavras e a produção dos Cartões de Natal.

Além da avaliação dos estudantes, é importante fazermos a avaliação de nossa prática, o que é essencial no processo ensino-aprendizagem. Quando nos dispomos a fazer esse movimento, nos colocamos em posição de aprendiz. Estar nela pressupõe compreender que você não é o dono do saber, que precisa ouvir, respeitar, acolher e valorizar a voz das crianças, adotando uma atitude responsiva.

Eu aprendo todos os dias, aprendo a me enxergar nos olhos deles. Aprendo a analisar o meu trabalho de outro lugar, permitindo buscar, a todo o momento, possibilidades para que eles se enxerguem como sujeitos, reconhecendo-se como autores de suas práticas, tornam-se autônomos, críticos, capazes de entender a sua importância no contexto escolar e na sua vida como cidadão ativo, com poder de transformação.

Denise Barreto Resende

Graduada em Pedagogia Séries Iniciais e Orientação Educacional. Professora de Ensino Fundamental do município do Rio de Janeiro há 14 anos. Atua, hoje, como assistente II na Gerência de Formação dos Anos Iniciais da Escola de Formação Paulo Freire. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Alfabetização. Participa do Grupo de Estudos e Pesquisas em Infância, Linguagem e EducaçãoGEPILE, coordenado pela professora Patrícia Corsino - UFRJ.

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