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Reflexões sobre as tecnologias digitais na educação

Autora: Juliana de Oliveira da Silva

A rápida evolução tecnológica dos últimos anos tem influenciado diversos setores da sociedade, incluindo a educação. A presença e o uso das tecnologias digitais no dia a dia das pessoas têm se tornado cada vez mais comuns, como reflexo que são da sociedade da Cultura Digital da qual fazemos parte. Quando as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) passaram a integrar a vida de cidadãos comuns, a partir do século XX, elas acabaram por influenciar uma das formas mais básicas do relacionamento humano: a comunicação. E isso, consequentemente, repercutiu em outras esferas das nossas atividades.

A disseminação de dispositivos eletrônicos como smartphones, tablets e laptops, assim como o acesso à internet, têm influenciado diretamente na forma como os estudantes se relacionam com o conhecimento também no contexto educacional. Como docentes, precisamos refletir sobre as estratégias de ensino utilizadas que precisam considerar a conjuntura atual em que nos encontramos: da Era Digital.

De acordo com Pischetola e Miranda (2021, p. 33), “as tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) revolucionaram as formas de se comunicar, de acessar e processar a informação, de aprender, de conhecer o mundo e de estar em sociedade.” Assim, pensar uma escola que não considere essa realidade a torna cada vez mais sem significado e desinteressante para os alunos, por distanciar-se do que eles vivenciam o tempo todo. Nossa sociedade tem se transformado ao longo dos anos e, consequentemente, há mudanças também em nossos relacionamentos e em tudo o que produzimos a partir dela.

O conhecimento não se restringe mais, exclusivamente, a uma instituição. Qualquer pessoa, a qualquer hora, pode acessá-lo a partir de um dispositivo digital. Nem o professor nem a escola são mais os únicos “detentores do saber”. Lévy (2010, p. 163) coloca essa questão da seguinte forma: “Hoje, tornou-se evidente, tangível para todos que o conhecimento passou definitivamente para o lado do intotalizável, do indomável”.

O enorme volume de informações que recebemos em alta velocidade, a cada instante, em uma simples manipulação de um dispositivo digital nos faz reconhecer que essas tecnologias precisam ser entendidas como parte de nossas vidas, como uma importante fonte de conhecimento, e como algo que vai além de uma ferramenta de pesquisa, de consulta, ou de transmissão de informações. Dessa forma, Pischetola e Miranda (2021, p. 33) apontam que essa conjuntura, sob a influência das tecnologias, precisa ser relevante no contexto educacional: “A escola precisa se interessar por essa presença das tecnologias na sociedade e na vida dos alunos para não perder a oportunidade de exercer a sua função educadora.”

Inserir tecnologias na escola vai além de fornecer dispositivos eletrônicos ou acesso à internet. Requer uma reflexão profunda por parte dos professores e gestores das instituições educacionais sobre como utilizá-las de maneira eficaz, significativa e crítica na prática docente, formando crianças e jovens predispostos a pensar e a questionar sobre os conteúdos abordados, indo além de uma atitude passiva de receptores de informações formatadas para um determinado segmento, acessadas diretamente através de uma aula expositiva ou através de uma ferramenta digital de busca. Uma escola que não acompanha a evolução da sociedade pode até ter como objetivo maior ensinar os alunos a darem respostas simples e diretas, mas não a fazer perguntas, pensando sobre as inúmeras possibilidades que podem se relacionar a um determinado conceito.

A escola da Era Digital precisa desenvolver, nos educandos, o questionamento, a análise; fazer com que seus discentes assumam que, no processo de ensino e aprendizagem, o interesse e a curiosidade são atitudes fundamentais para a construção do conhecimento e ampliação da perspectiva dos estudantes em relação ao seu papel no mundo como sujeitos ativos na escola e na sociedade. Paulo Freire (2003, p. 47) já colocava sua visão sobre a questão do ensino da seguinte forma: “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.” E a tecnologia pode ajudar muito nesse processo.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) traz a cultura digital como uma das competências gerais que tem por objetivo desenvolver, no aluno, a capacidade de “compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de forma crítica, significativa e ética para comunicar-se, acessar e produzir informações e conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria” (Brasil, 2018, p. 9). Desse modo, preconiza que o trabalho com as tecnologias digitais, na prática pedagógica, considere o aluno dessa sociedade da cultura digital como um sujeito integrado e participante do seu processo de aprendizagem. Porém, uma questão que deve ser considerada para nortear a prática docente é apontada por Campos, Heinsfeld e Silva (2018, p. 34): “Como me transformo em um sujeito ativo, política e socialmente, utilizando as potencialidades das tecnologias digitais?” Este é um ponto de partida que pode fazer uma grande diferença para o professor na sua ação pedagógica ao direcionar a formação do seu educando para essa reflexão.

Nesse contexto, este artigo pretende explorar os desafios e as possibilidades do uso das tecnologias digitais na educação, visando contribuir para um melhor entendimento dessa realidade e fornecer insights para professores, gestores educacionais e demais interessados em repensar o papel da escola na Era Digital.

  1. O impacto das tecnologias digitais na aprendizagem

Muitas discussões sobre a educação do século XXI estão fadadas a se limitar ao uso da tecnologia como ferramenta no processo de ensino e aprendizagem. Essa é uma visão reducionista do significado da própria tecnologia na contemporaneidade, que tem um caráter muito mais abrangente em relação aos seus artefatos e dispositivos digitais no meio social, político, econômico e na vida de cada cidadão.

Em relação a esse significado, Campos, Heinsfeld e Silva (2018, p. 17) colocam que “no âmbito da educação, surgem questões a partir do reconhecimento de que, hoje, as tecnologias digitais não são apenas cotidianas, mas onipresentes, correspondendo a uma dimensão essencial de nossa experiência.” A tecnologia é um produto da nossa cultura, cercado de significados, de intencionalidades, presentes em diversas esferas da nossa vida. Bates (2017, p. 49) se manifesta sobre essa questão da tecnologia na atualidade: “Na era digital, estamos rodeados, na verdade imersos, em tecnologia”.

Refletindo em relação às mudanças de comportamento dos seres humanos com a inserção das tecnologias em sua vida diária, percebemos que o modo como nos comunicamos é um dos exemplos mais evidentes desse processo. De acordo com Bates (2017, p. 97) “a forma como a informação é representada e transmitida está mudando, assim como nosso foco e compreensão de como a informação se move entre e dentro dos diferentes meios.” A mudança do modo pelo qual nos expressamos em tempos da Era Digital afeta diretamente a forma como nossos alunos aprendem e como nós professores ensinamos, considerando que a linguagem, a escrita e as tecnologias digitais tornam-se mediadoras da cultura humana e, logo, componentes dos processos cognitivos do sujeito contextualizado (Campos; Heinsfeld; Silva, 2018).

O trabalho com as tecnologias digitais, nas instituições educacionais, deve ultrapassar a simples oferta de recursos como dispositivos digitais ou acesso à internet; requer uma reflexão sobre como utilizá-los de maneira eficaz e significativa. É inegável a existência de um leque de possibilidades que o uso das tecnologias na prática pedagógica pode agregar à aprendizagem, tornando esse processo mais dinâmico e atrativo, a saber:

  • Mais acessibilidade à informação;
  • Disseminação mais ampla e igualitária da informação;
  • Diversas possibilidades de pesquisa, exploração e produção de conhecimento;
  • Construção de conhecimentos de forma colaborativa entre os estudantes;
  • Maior interatividade e compartilhamento de informações;
  • Mais engajamento e motivação entre os estudantes.

Um último ponto de discussão e reflexão sobre o impacto da tecnologia digital na aprendizagem e consequentemente na educação é colocado por Nóvoa (2022, p. 36):

Hoje, não é possível pensar a educação e os professores sem uma referência às tecnologias e à “virtualidade”. Vivemos conexões sem limites, num mundo marcado por fraturas e divisões digitais. É preciso enfrentar com lucidez, e coragem, estas tensões: entre um empobrecimento da diversidade e a valorização de diferentes culturas e modos de viver; entre uma diminuição da privacidade e liberdade e a afirmação de novas formas de democracia e participação; entre a redução do conhecimento ao digital e a importância de todo o conhecimento, humano e social.

Assim, precisamos considerar, no contexto educacional, a sociedade, a nossa conjuntura atual, as nossas singularidades, o digital que integra as nossas vidas, e admitir que o conhecimento não é mais restrito, neutro, encapsulado, à espera de libertação. Ele é e está disponível. A questão é como fazer com que esse conhecimento faça a diferença na formação e na vida de todos, agregando valor ao “saber” de cada ser humano de forma a se caracterizar como um componente da ação e da transformação social.

  1. Explorando as fronteiras da tecnologia digital: desafios e possibilidades no contexto educacional

A evolução das tecnologias digitais pode gerar um impacto positivo no ambiente educacional, oferecendo novas oportunidades de ensino e aprendizagem, e apresentando novas possibilidades de experiências significativas na construção do conhecimento por parte do educando. Neste tópico, exploraremos as fronteiras da tecnologia digital na educação, analisando os desafios que surgem para a implementação dessas inovações no contexto escolar e as possibilidades de trabalho pedagógico nesse processo.

A busca por uma educação voltada para a nossa realidade, enquanto sociedade da Era Digital alinhada com as demandas do século XXI, requer uma reflexão sobre como lidar com os desafios inerentes a esse movimento, aproveitando o potencial que advém do uso das tecnologias digitais que irão reverberar diretamente na prática pedagógica.

O foco da discussão neste artigo não está em apontar as dificuldades que existem a partir das diferentes realidades das instituições educacionais, como a disponibilidade de recursos tecnológicos digitais para uso pedagógico, problemas com conectividade, acesso à internet e outras questões relacionadas nesse contexto. Os desafios aqui discutidos estão voltados para questões usualmente presentes em falas e discursos sobre educação e tecnologia, mas feitas sem o devido aprofundamento que se exige para que seja uma discussão igualmente relevante.

Seguindo nessa linha, “desenvolver a análise crítica” no aluno pode ser considerado um desafio, visto que nosso sistema educacional, durante muitos anos, esteve voltado para um ensino tradicional, pautado na transmissão de conteúdo, sem uma proposta de reflexão sobre o que está sendo abordado, como se a aprendizagem se realizasse pelo simples acesso à informação.

Desenvolver o pensamento crítico é algo muito mais abrangente. Está diretamente relacionado ao nosso processo de raciocínio lógico que será estruturado diante de algum dado ou informação e de como é feita essa análise, sistematização e avaliação da informação. Buckingham (2022, p. 69) discute essa questão pontuando que esta forma de pensamento tem relação com o ato de aprender: “O pensamento crítico implica o questionamento das pressuposições fáceis e a consideração de formas alternativas de examinar um problema.” Ainda sobre esse ponto, Buckingham (2022, p. 70) aprofunda o conceito da seguinte forma: “O pensamento crítico é um processo reflexivo, em que constantemente temos de questionar nossos próprios preconceitos, interpretações e conclusões”.

Assim, ao ser crítico, o aluno busca, nas suas referências e conhecimentos adquiridos, as reflexões diante do novo apresentado, examinando contradições, criando argumentos, identificando suas lacunas, ampliando sua capacidade cognitiva e, consequentemente, aprendendo nesse processo de forma que o conhecimento passe a fazer sentido para ele. De acordo com Pischetola e Miranda (2021, p.58), “cabe destacar que o verdadeiro desafio para a educação não é a técnica, mas o uso significativo das tecnologias, que inclui a capacidade de buscar, elaborar e compartilhar informações, para poder formar opiniões em fontes confiáveis.” As experiências construídas a partir das tecnologias digitais são possibilidades que se somam positivamente ao processo educacional, apresentando novos caminhos para a aprendizagem.

Outro desafio da atualidade é utilizar a tecnologia digital na ação pedagógica, planejando esse trabalho com a base necessária para oportunizar ao aluno uma mudança no seu olhar em relação aos recursos tecnológicos de forma que sua percepção da máquina não seja somente para obter respostas prontas. Enxergar as possibilidades de aprendizagens a partir das máquinas; produzir novos conteúdos trabalhando a criatividade e o protagonismo nesse processo; exercer autoria e, em parceria com outros educandos, trabalhar colaborativamente, tendo o professor como parceiro nesse trabalho são possibilidades de atuação que integram de forma eficiente o aluno ao processo de ensino e aprendizagem, com objetivos ou resultados bem mais promissores para a educação.

Pensar que os dispositivos digitais podem ser mais do que simples máquinas instrucionais não é uma proposição recente. Na década de 1970, Seymour Papert já defendia uma proposta de ação reflexiva do educando em relação à construção do conhecimento a partir do uso do computador, principalmente em relação à programação. De acordo com Raabe, Zorzo e Blikstein (2020, p. 51), o que Papert preconiza, nessa proposta pedagógica, é “permitir a construção do conhecimento por meio do aprender fazendo e do pensar sobre o que se está fazendo, possibilitando, por intermédio do ato de programar o computador, a ação reflexiva do educando sobre um resultado e sobre seu próprio pensamento.”

Com base nas abordagens deste artigo, é fundamental a reflexão sobre o papel das tecnologias em educação, buscando encontrar um caminho adequado para o uso das ferramentas digitais nas práticas educacionais, considerando que essa discussão deve ser constante e, também, deve acompanhar o processo de evolução das tecnologias digitais na sociedade da Cultura Digital.

Não há um modelo único de implementação das tecnologias digitais na prática docente. Precisam ser considerados vários fatores que compõem a realidade de cada espaço escolar, como conhecer o perfil dos seus alunos, sua história, as relações sociais, políticas e econômicas que envolvem a comunidade escolar, para que esse trabalho, a partir das tecnologias, seja condizente com o meio que integra. Dessa forma, podem ser desenvolvidas as competências e habilidades nos educandos voltadas para a formação do cidadão do século XXI.

Juliana de Oliveira da Silva

Pós-graduada pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), do Curso de Informática Aplicada à Educação. Graduada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Faculdade de Formação de Professores, Licenciatura em Geografia. Professora de Geografia na SME-RJ (PI) e SEEDUC (DOC I - Ensino Médio). Pesquisadora na área de Tecnologia na Educação, Metodologias Ativas, Gamificação na Educação, Pensamento Computacional, Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação (TDICs), Cultura Digital e Inteligência Artificial. Participou de 2010 a 2014, do Projeto Educopédia da SME RJ (Plataforma on-line - REA), como produtora e revisora de aulas digitais de Geografia. Foi da equipe da Gerência de Inovação e Tecnologia Educacional da SME/RJ (GITE), de 2015 a 2019. Foi assistente na Escola de Formação Paulo Freire da SME-RJ (EPF), de 2019 a 2022. Produtora de Material Didático da Gerência de Materiais Didáticos e foi tutora do curso A Escola na Cultura Digital da MultiRio (2023). Atualmente é Assistente da Diretoria de Mídia e Educação (Inovação Pedagógica) da MultiRio.

REFERÊNCIAS

BATES, T. Educar na era digital: design, ensino e aprendizagem. São Paulo: Artesanato Educacional, 2017. (Coleção Tecnologia Educacional, v. 8).

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2018.

BUCKINGHAM, D. Manifesto pela Educação Midiática. Prefácio de Januária Cristina Alves. São Paulo: Sesc São Paulo, 2022.

CAMPOS, G. H. B. de; HEINSFELD, Bruna Damiana; SILVA, Maria Paula Rossi Nascentes da. Práticas pedagógicas, inovação e tecnologias: breves indagações. Curitiba: CRV, 2018.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2003.

LÉVY, P. Cibercultura. 3. ed. São Paulo: Ed. 34, 2010.

NÓVOA, A. Escolas e professores: proteger, transformar, valorizar. Colaboração: Yara Alvim. Salvador: SEC/IAT, 2022.

PISCHETOLA, M.; MIRANDA, L. V. T. de. A sala de aula como ecossistema: tecnologias, complexidade e novos olhares para a educação. Petrópolis: Vozes; PUC, 2021.

RAABE, A.; ZORZO, A. F.; BLIKSTEIN, P. Computação na Educação Básica: fundamentos e experiências. Porto Alegre: Penso, 2020. (Série Tecnologia e Inovação na Educação Brasileira).

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