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O Mundo Cabe Numa Fotografia? Análise de Registros Fotográficos de Crianças Sobre o seu Espaço Escolar

Autoras: Catia Regina Monteiro Silva e Sáimita Braga Pereira Diniz

O presente artigo é resultado de um trabalho desenvolvido com uma turma de pré-escola, com crianças de 4 e 5 anos de idade, na produção de registros fotográficos pelas crianças dos espaços habitados por elas e dos detalhes que enxergam. O trabalho foi realizado em um Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI) em Campo Grande, bairro localizado na zona oeste do Município do Rio de Janeiro. O objetivo é fazer uma análise das produções fotográficas das crianças sobre o seu espaço escolar na produção de conhecimento no cotidiano por meio de uma relação dialógica entre crianças, educadores e o seu ambiente e compartilhar experiências vivenciadas com equipamento fotográfico pelas crianças. Trazer para discussão os enunciados a partir das imagens registradas e os sentidos produzidos nesse espaço que é diverso e possui um quintal vasto de possibilidades de exploração. Sobre a concepção de imagem e fotografia o estudo terá como referencial teórico as contribuições de Barthes (1984) e Benjamin (1994). Conceito de crianças a partir dos apontamentos de Kramer e Motta (2010)

Em seguida compartilharemos alguns registros produzidos pelas crianças em um lindo dia de sol enquanto brincavam no quintal do Espaço de Desenvolvimento Infantil juntamente com seus enunciados, percepções e intenções.

Palavras-chave: cotidiano; infância; fotografia.

 

Para início de conversa

“Mas eu estava a pensar em achadouros de infâncias. Se a gente cavar um buraco ao pé da goiabeira do quintal, lá estará um guri ensaiando subir na goiabeira. Se a gente cavar um buraco ao pé do galinheiro, lá estará um guri tentando agarrar no rabo de uma lagartixa. Sou hoje um caçador de achadouros de infância. Vou meio dementado e enxada às costas a cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos.”
(Manoel de Barros)

Este artigo foi idealizado e produzido por duas professoras de Educação Infantil do município do Rio de Janeiro, que se descobrem cotidianamente pelas conversas e prática enquanto se formam e estudam, pesquisadoras/caçadoras de achadouros de infância.

É no percurso do cotidiano, na observação das relações estabelecidas nesse espaço que nos formamos enquanto educadoras e, sobretudo, pesquisadoras das infâncias. Os eventos nos afetam, os enunciados das crianças enquanto vivenciam experiências no quintal do Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI) nos tocam, encantam e afloram a parte pesquisadora que também nos constitui.

Nossas práticas se tocam e se entrelaçam num processo de alteridade enquanto vivenciamos ou compartilhamos experiências. Nosso EDI se tornou um observatório das práticas pedagógicas, do encantamento pelas crianças e do movimento em que se constrói a história desse espaço, a nossa própria história, dos nossos pares, das famílias e o que mais nos interessa, a criança na construção dos seus pensamentos enquanto produzem os próprios conhecimentos como seres ativos e participantes.

O quintal desse espaço é repleto de possibilidade de caçar os achadouros de infância. Nele as crianças vivenciam as maiores emoções, e experimentam brincadeiras inventadas, relembradas ou aprimoradas. Nesse espaço, respiram, tomam um solzinho, observam o seu entorno e a natureza que ainda temos o privilégio de contemplar; compartilham espaço, vivências e cuidado. Experimentam sensações e testam os limites do seu próprio corpo. Enfrentam desafios e vibram com cada conquista. As gargalhadas contagiam, e a alegria de habitar aquele espaço é fascinante.

A criança que consideramos aqui neste trabalho é “pessoa de pouca idade, que produz cultura, é nela produzida, brinca, aprende, sente, cria, cresce e se modifica, ao longo do processo histórico que constitui a vida humana.” (Kramer; Motta, 2010) e, dessa forma, considerando que ela acontece agora, produtora de conhecimento enquanto vivencia as mais diversas possibilidades como ser social, participante, atua sobre esse universo de maneira criativa. A criança ressignifica o mundo do adulto, e constrói o seu próprio inserido nesse. Por um olhar mais atento às coisas desimportantes, as crianças descobrem um universo pela sua perspectiva. Assim, entender quais são essas perspectivas é o que nos movimenta para uma pesquisa sobre qual infância vem sendo construída lá.

Dessa forma, o trabalho se desdobrará em torno do que nos orientam os documentos oficiais para as práticas na Educação Infantil, do conceito de criança, e de como o uso da fotografia entra como potencial material metodológico das práticas pedagógicas.

Em seguida, apresentaremos como aconteceu a atividade com o uso da fotografia em uma turma de pré-escola I, em que as crianças puderam conhecer uma câmera fotográfica digital e manuseá-la enquanto registravam lugares especiais no EDI que ocupam.

Orientações oficiais

Na Educação Infantil, temos instrumentos para orientar nossa prática, que são documentos federais e municipais. São eles: as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), mais recentemente, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e, atualmente, no âmbito municipal, o Currículo Carioca, que nos apresenta ferramentas para uma prática pedagógica respeitosa e responsável.

A criança, de acordo com as DCNEIs, é caracterizada como:

Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. (Brasil, 2010, p. 12)

Portanto, a criança, como sujeito histórico e dialógico, constrói, através de suas relações, sua identidade e, por meio da brincadeira, experimenta e constrói hipóteses sobre a vida e o mundo por meio dos sentidos, produzindo conhecimento e cultura. Sobre currículo este mesmo documento diz que é:

Conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade. (Brasil, 2010, p. 12.)

Sobretudo o currículo deve propiciar espaços de promoção de múltiplas experiências por meio das artes, cultura, ciência, tecnologia, ambiente e diversas formas de promoção de conhecimento que cercam as propostas pedagógicas dialogando com o contexto ao qual cada criança está inserida, promovendo aprendizagens significativas e uma educação para a diversidade, ciência e tecnologia, capaz de compreender as crianças como seres ativos e participativos desse processo. O desafio é pensar as formas de sistematizar esses conhecimentos pelas experiências e experimentações e valorizá-los como legítimos nesse processo.

A Educação Infantil é conhecida como espaço pensado a partir das brincadeiras e interações, portanto, ainda que existam estudos e pesquisas que qualificam e legitimam as práticas pedagógicas para uma educação das crianças por meios desses eixos estruturantes, os conceitos de Educação Infantil, para aqueles que não a pesquisam ou estejam imersos nesse contexto de forma reflexiva, precisam ser defendidos cotidianamente. Sendo assim, os profissionais da educação precisam ter consciência, aprofundamento científico e segurança dessa função da Educação Infantil, e de que existe aprendizagem legítima nas práticas pedagógicas por meio das brincadeiras e interações.

As DCNEIs incentivam que as propostas pedagógicas devem respeitar os princípios estéticos que envolvem a sensibilidade, a criatividade, a ludicidade e a liberdade de expressão de diversas formas e manifestações artísticas e culturais (Brasil, 2010, p.16).

Nesse sentido, ao analisar todo o contexto da criação de espaços da Educação Infantil, a intenção é investigar como o processo de transformação desses espaços foi se desenhando ao longo da história. A transição de espaços de acolhimento para espaços de produção de conhecimento, onde o cuidar e o educar estão entrelaçados.

Como as produções de sentido são pensadas? Para as crianças ou por elas? Como a fotografia entra como instrumento de produção de memórias e percepção de si e do mundo? É possível perceber o mundo sob o olhar da criança em sua perspectiva? Como a criança enxerga a si, o outro e o mundo?

As crianças enxergam o mundo sob outra perspectiva, seu campo de visão alcança as frestas, os formigueiros, o buraco na parede, o cavalo que passa do lado de fora, a plantinha que floresceu, o detalhe que se perdeu. As crianças enxergam o mundo de uma forma particular que a gente esqueceu que existe.

O olhar da criança para o mundo em seus ângulos está aí, à frente, e acontece diariamente. Mas a gente não vê. O mundo sob o olhar da criança, suas impressões e expressões são extremamente interessantes. É preciso ampliar a proposta pedagógica, é necessário ouvir a criança, acolher suas experiências, suas histórias e, sobretudo, como enxergam a si e o mundo a sua volta. É como se as crianças enxergassem o mundo por uma lupa; a proporção não é a mesma, os ângulos também não.

O currículo na Educação Infantil não é pensado como a separação e disposição de disciplinas e conteúdos, mas baseado nos eixos estruturantes de brincadeiras e interações, discutidos desde as DCNEIs até a BNCC.

A Educação Infantil é a primeira etapa do processo de separação entre as crianças e suas famílias quando inseridas nesses espaços formais de Educação.

As primeiras experiências, vivências e rupturas estão nessa etapa e, sobre isso, precisamos pensar como esses espaços são capazes de considerar esse sujeito histórico, cultural, social, dotado de vivências e expectativas no processo de planejamento curricular. Sendo o planejamento um ato político, portanto, deve incluir, em sua decisão, aqueles que mais são impactados por ele.

A BNCC propõe que, dentro dos eixos de brincadeiras e interações trazidos anteriormente pelas DCNEIs, estão os direitos de aprendizagem e desenvolvimento, que são: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. Destaco, aqui, dois desses direitos que diz que a criança deve:

Participar ativamente, com adultos e outras crianças, tanto do planejamento da gestão da escola e das atividades propostas pelo educador quanto da realização das atividades da vida cotidiana, tais como a escolha das brincadeiras, dos materiais e dos ambientes, desenvolvendo diferentes linguagens e elaborando conhecimentos, decidindo e se posicionando (Brasil, 2018, p. 38)

Observa-se, desse modo, que o planejamento das atividades propostas dentro de espaços de Educação Infantil deve considerar a criança como sujeito ativo nas escolhas e decisões dos conhecimentos produzidos de forma intencional ou não. E o direito de “expressar, como sujeito dialógico, criativo e sensível, suas necessidades, emoções, sentimentos, dúvidas, hipóteses, descobertas, opiniões, questionamentos, por meio de diferentes linguagens.” (Brasil, 2018, p. 38) corrobora para que isso seja garantido.

A participação da criança no processo de escolha e decisão sobre o planejamento das atividades, sua contribuição no seu processo de aprendizagem como sujeito criativo e participativo, dialógico e reflexivo é fonte de pesquisa e faz parte das orientações em documentos oficiais e federais sobre essa etapa da Educação Básica. Contudo, a definição e planejamento das práticas pedagógicas ainda privilegiam as perspectivas adultocêntricas.

Dessa forma, apresentaremos, a seguir, como o registro fotográfico entra nessa perspectiva ética, estética e colaborativa de uma prática horizontalizada do diálogo entre adultos e crianças nas produções cotidianas de conhecimento.

Enunciado das crianças da pré-escola pela semiótica da imagem fotográfica: O que dizem as crianças da pré-escola sobre seu espaço escolar

“Difícil fotografar o silêncio. Entretanto tentei. Eu conto: Madrugada a minha aldeia estava morta. Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa. Eram quase quatro da manhã. Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina. O silêncio era um carregador? Estava carregando o bêbado. Fotografei esse carregador. Tive outras visões naquela madrugada”. Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado. Fotografei o perfume. […]. Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão. Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre. Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a Nuvem de calça. Representou para mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakovski – seu criador. Fotografei a Nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa mais justa para cobrir a sua noiva. A foto saiu legal.”
(Manoel de Barros)

O entendimento sobre imagem e fotografia, tal qual se apresenta neste trabalho, apoia- se teórico-metodologicamente nos conceitos de Barthes (1984) e Benjamin (1994).

Barthes, estudioso do sentido e significado da imagem pela fotografia, nos apresenta valiosa observação sobre características técnicas e sua relação e experiência com a fotografia através de suas narrativas. Ele a divide em dois campos, chama de Studium e Punctum. Na primeira, Studium, pode representar a realidade como ela é, representação real de algo a partir do evento que cativa o observador. Punctum traz elementos que nos fazem imaginar outras possibilidades, a pensar sobre, viajar em sua composição e indagar suas nuances; fazer com que quem observa saia da imagem para imergir em pensamentos de outras possibilidades a partir de seus detalhes. O que se imagina, ao observar a foto, é subjetivo, vem carregado de um olhar que remete às memórias e experiências que despertam algum sentimento, conhecimento ou questionamento. Mas, também, a fotografia pode não representar significado a quem olha, apenas a representação real de algum objeto, paisagem ou alguém.

Benjamin (1994, p. 94) nos diz que a fotografia representa, sobretudo, as características do que é observado e do que os afetos daqueles fotografados, mas, ao mesmo tempo, revela aspectos do mundo observável que, se não fosse o seu registro, ficariam ocultos. A capacidade de registrar as coisas minúsculas e significativas pode despertar interesse para os “sonhos diurnos” e que “a diferença entre a técnica e a magia é uma variável totalmente histórica.”

Pela primeira vez no processo de reprodução da imagem, a mão foi liberada das responsabilidades artísticas mais importantes, que agora cabiam unicamente ao olho. Como o olho apreende mais depressa do que a mão desenha, o processo de reprodução das imagens experimentou tal aceleração que começou a situar-se no mesmo nível que a palavra oral (Benjamin, 1994, p.167)

Marcado como característica da contemporaneidade, a velocidade com que as coisas acontecem tal qual a palavra falada, o registro fotográfico apresenta-se como possibilidade de registrar o acontecimento irrepetível tal como aconteceu. A fotografia é a representação fiel do evento que se revela ao olho humano, capturado em milésimos de segundos.

Para ambos os autores, a fotografia marca além da subjetividade daquele que apertou o botão, captura a imagem ou a observa. A fotografia marca o tempo histórico daquilo que aconteceu, pois é a representação real do evento em um momento histórico e a partir de características culturais. Ela apresenta concepções históricas da época capturada, marcando suas características do momento em que se produziu. Também é atual quando se compara com o momento em que se analisa e observa, assim como possibilita compreender outras culturas. Ela é ferramenta que conecta indivíduos em momentos distintos, ela é atual e antiga ao mesmo tempo. Ao fotografar o sujeito que observa o evento, tem uma intencionalidade ao capturar, e faz o registro de elementos que porventura nem tenha sido percebido no ato, mas materializado ali naquela imagem. Ao observar, é possível fazer uma análise do fato ocorrido, e possibilita o observador fazer um contraponto do acontecido com o momento atual.

A fotografia apresenta-se com possibilidade artística de captura do evento com possibilidades do olhar sensível de quem a captura em ângulos e perspectivas diferentes. Assim, num jogo de luz e sombra, distorção de ângulos e velocidade da captura pode trazer elementos que misturam o imaginário com a realidade. Quem a observa pode não saber a intenção do sujeito responsável pelo ato, mas a imagem é capaz de fazer transportar no tempo, rememorar situações e até sentimentos.

No contexto escolar, a fotografia pode ser utilizada como registro de acontecimentos, atividades e memória construída como patrimônio escolar. Nesta pesquisa, a proposta é subverter a lógica da fotografia como mero registro de atividades ou eventos. Por isso, será apresentada a potencialidade do registro fotográfico como metodologia de trabalho com as crianças.

A seguir, relataremos o trabalho desenvolvido pela professora da turma de pré-escola I, Viviane [1], que acolheu a proposta do uso de equipamento fotográfico no cotidiano como forma de registrar os acontecimentos enquanto as crianças brincavam no quintal do EDI.

A atividade proposta foi a de que as crianças utilizassem a câmera fotográfica digital para registrar o que mais gostavam de fazer enquanto estavam no quintal do EDI.

A princípio, o equipamento foi apresentado, e as crianças já o reconheceram como uma máquina de tirar foto. Apesar de estarmos numa era de uso do celular para essa finalidade no registro do cotidiano, as crianças demonstraram habilidade em manusear e nomear o equipamento.

Elas puderam escolher e utilizar como quisessem nos espaços que quisessem. Os interesses perpassaram o morrinho (famoso e tão amado pelas crianças), as árvores, o parquinho, o colorido que chamou atenção, o passarinho que pousou bem na hora sobre o olhar atento, os amigos que tanto têm afeto e até a lua que apareceu num dia ensolarado. O que sentiram na hora talvez nunca consigamos tocar ou entender, mas, ao observar os registros realizados, podemos perceber que não existia ali uma preocupação com a estética da imagem, tampouco técnicas de fotografia.

Eternizaram, em imagem, o evento irrepetível. O passarinho (aquele especificamente) nunca mais pousará no mesmo lugar, com a mesma iluminação. Aquele instante não volta e, não fosse pela imagem capturada, não teríamos a possibilidade de contemplar para onde o olhar da criança se volta ao observar seus espaços ocupados. A lua, não fosse pelo registro do Felipe [2], talvez não seria percebida naquele dia. Um dia ensolarado com uma lua no meio, meio apagada quase que imperceptível, não fosse a sensibilidade de quem a capturou.

As crianças percebem o mundo por outro ângulo, por outra perspectiva. Quantas vezes nos identificamos surpresos, ao retornar a espaços vividos na infância, por não reconhecê-los mais? “Parecia tão maior quando eu era criança”.

Ao finalizar a atividade, a professora Viviane as convidou a fazer uma reflexão sobre o que sentiram enquanto fotografavam os espaços e amigos. Elas chegaram à conclusão de que “foi especial porque algumas pessoas tiraram foto da lua, outras do passarinho, outras das outras pessoas, do morrinho e do parquinho” (registro do diário de campo da professora).

As crianças precisam ter seus enunciados preservados e valorizados, pois se expressam através da linguagem, seja oral, escrita, corporal ou pela fotografia.

As fotografias, que seguem anexadas ao trabalho, mostram que os ângulos não seguiram padrões estéticos e nem técnicas fotográficas. Conseguimos perceber que as configurações das imagens nos convidam pensar a intencionalidade do que se registra por quem o registra no instante. Não precisamos de respostas, basta estarmos atentos às expressões de nossas crianças e respeitá-las enquanto seres produtores de conhecimento.

Considerações finais

Assim como Manoel de Barros, em seus poemas, nos convida a passear por suas narrativas da infância vivida pelas coisas desimportantes, hoje o convite é olhar para as coisas desimportantes do cotidiano na prática pedagógica.

Pensar em Educação Infantil requer novos olhares, atentos, ao que se apresenta como demanda. As crianças estão vivendo nesses contextos e refletem sobre eles; são participativos e cheios de energia e questões. Percebem o mundo de um jeito particular, interessante e sob novas perspectivas. A fotografia faz parte desse cotidiano da contemporaneidade com frequência. O acesso aos mecanismos do registro fotográfico está mais próximo dessas crianças, e faz parte do cotidiano das famílias e das crianças. A fotografia é instrumento de registro, memória e também de construção de identidade, afeto, lembranças, sentimento e conhecimento.

Sendo assim, a fotografia representa a “morte” do evento e, ainda, a sua imortalidade. A fotografia revela a conexão com a imagem capturada que pode ou não representar significado, capaz de produzir sensações, sentimentos que passam pelos sentidos na produção de conhecimento.

Pensando nisso, proponho pensar fora da caixa sobre a Educação Infantil, sobretudo sobre as práticas nas turmas pré-escolares numa perspectiva de libertação dos seus corpos para uma vivência dos eventos/ acontecimentos no cotidiano com potencialidade, produzindo conhecimento junto com seus pares e adultos numa relação horizontal do diálogo.

Proponho pensar a fotografia instrumentalizadora dessa curiosidade das crianças, que produzem registros daquilo que só pode ser visto por elas, em seus ângulos e perspectivas, com seus olhares desbravadores e encantados de quem se interessa pelos detalhes escondidos dos adultos desacreditados que nos tornamos.

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Notas:

[1] Professora de Educação Infantil da Rede Municipal de Educação do município do Rio de Janeiro desde 2020. Possui graduação em Matemática e pós-graduação em Ensino Lúdico.

[2] Os nomes das crianças utilizados neste artigo são nomes fictícios.

Catia Regina Monteiro Silva

Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação - Processos Formativos e Desigualdades Sociais da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - PPGedu/FFP/UERJ (2023). Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas - Infância(s), Formação de Professores/as e Diversidade Cultural- GIFORDIC/UERJ/PPGedu. Bolsista do Centro de Referência da Educação Pública da Cidade da Cidade do Rio de Janeiro - Anísio Teixeira - CREP - AT. Especialista em Docência em Educação Profissional e Tecnológica pelo Instituto Federal Sul de Minas Gerais - IFSULDEMINAS (2022). Pós-Graduanda em Informática em Educação pelo Instituto Federal do Espírito Santo - IFES. Especialista em Neuropsicopedagogia pela Faculdade Metropolitana do Estado de São Paulo (2021). Licenciada em Pedagogia pela Universidade Estácio de Sá (2021). Atualmente é professora de Educação Infantil da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro desempenhando a função de Professora Articuladora. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Infantil.

Sáimita Braga Pereira Diniz

Mestranda em educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEDuc/UFRRJ), Pós-Graduação em Gestão e Supervisão escolar pela Faculdade São Luis (2021) e Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2015). Professora II e de Professora de Educação Infantil pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Atualmente Diretora Adjunta de um Espaço de Desenvolvimento Infantil do Município do Rio de Janeiro desde 2017.

Referências

BARROS, Manoel de. Meu quintal é maior do que o mundo. Rio  de Janeiro: Objetiva, 2015.

BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.

BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantiL. Brasília, DF: MEC, SEB, 2010.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2018.

KRAMER, Sonia; MOTTA, Flávia. Dicionário: trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: Faculdade de Educação, UFMG, 2010.

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