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Metodologias Ativas e Formação Continuada: Partindo de Desafios para Gerar Possibilidades

Autoras: Andréa Casadonte, Daniele Peres

“Aprendemos desde que nascemos a partir de situações concretas, que pouco a pouco conseguimos ampliar e generalizar (processo indutivo), e aprendemos também a partir de ideias ou teorias para testá-las depois no concreto (processo dedutivo), […] ”.

(José Moran)

No presente texto, trazemos uma reflexão sobre ações formativas desenvolvidas desde o ano de 2019 para gestores, coordenadores pedagógicos e professores regentes da Secretaria Municipal de Educação da cidade do Rio de Janeiro (SME/RJ). As ações tinham como proposição encontros vivenciais em metodologias ativas e ferramentas digitais. As metodologias ativas propõem uma inversão do processo de ensino-aprendizagem, colocando o aluno no centro do processo, valorizando a participação ativa do estudante na construção do conhecimento e estimulando a criatividade e a capacidade de resolução de problemas.

Diante dos desafios que a educação vivencia na contemporaneidade como, por exemplo, acerca da necessidade de formação continuada para profissionais[1]; da ressignificação das relações promovidas no ambiente escolar, em especial das que ainda se dão demarcadas por processos hierárquicos e centralizados no papel do professor; e da promoção de ações que viabilizem o protagonismo e o incorpore ao cotidiano escolar, de que forma podemos pensar e propor novas dinâmicas e práticas na escola? Como potencializar o protagonismo discente e docente na sala de aula? Que práticas e ações planejar para a promoção das aprendizagens dos estudantes?

A partir dessas questões, propomos encontros formativos para um grupo de gestores e professores regentes de escolas da rede da SME/RJ, apostando na promoção de aprendizagens significativas e engajadoras dos estudantes da rede carioca de ensino. 

 

E por onde começar?

Quais são os principais desafios no processo ensino-aprendizagem do século XXI? Como engajar estudantes e profissionais da educação no processo de repensar, replanejar e ressignificar seus fazeres e saberes? Como promover atividades significativas e inovadoras? De que forma colocar o estudante como centro do processo?

Os desafios elencados são apenas alguns que circundam o dia a dia de nossas salas dos professores, reuniões pedagógicas, conselhos de classe, como também encontros formativos para profissionais da educação. Tal afirmação baseia-se em nosso contato com os gestores e professores que participaram da formação vivencial em metodologias ativas. Para esses profissionais, estes são os principais desafios encarados cotidianamente nas escolas e salas de aulas desse grupo. Assim, tais indagações serviram como ponto de partida para nossas reflexões, discussões e produção de atividades e projetos a serem replicadas nas escolas em que atuam.

Formação continuada e metodologias ativas: algumas possiblidades

Considerando que ainda encontramos, nas escolas, um modelo centrado em relações verticalizadas, com o professor no papel central e os estudantes como receptores de conhecimento, onde a transmissão do saber ainda é voltada a um processo tradicionalista de memorização e padronização (Moran, 2015), é importante refletirmos sobre novas formas de romper com essas relações hierárquicas ao propor um ambiente educacional mais dinâmico, participativo e eficaz.

Nesse cenário, para que haja efetiva mudança, é preciso que o professor detenha um saber próprio da sua profissão, que alia conhecimentos específicos à didática e às condições de aprendizagem para segmentos diferenciados (Gatti, 2009). Em virtude das constantes mudanças e crescente diversidade na escola e na sociedade, a necessidade de investimento na formação continuada dos professores se torna essencial para o desenvolvimento de novos conhecimentos e habilidades para lidar com as novas demandas da sala de aula, em especial, no uso de metodologias que promovam outras formas de aprendizagens tanto para o professor, quanto para os estudantes.

Para Moran (2015), o uso de metodologias ativas se caracteriza como uma estratégia de ensino centrada na participação efetiva dos estudantes a partir do envolvimento direto, ativo e reflexivo em todas as etapas do processo, experimentando, desenhando, criando, com orientação do professor.

Nesse sentido, as metodologias ativas propõem mudanças em práticas educacionais centradas prioritariamente no papel do professor, na passividade do aluno e em aulas somente expositivas. O professor passa a atuar como mediador/articulador do processo de aprendizagem por meio do diálogo, da oferta de sequências didáticas personalizadas, promoção de vivências e desafios, monitorando e avaliando os discentes em tempo real. Desse modo, professores e estudantes mobilizam outros posicionamentos no processo, possibilitando novos espaços e tempos. Assim, as relações deixam de ser verticalizadas, e passam a ser horizontais.

Ainda em diálogo com Moran (2015), um bom projeto pedagógico prevê o equilíbrio entre tempos de aprendizagem pessoal e tempos de aprendizagem colaborativa. Aprendemos com os demais e aprendemos sozinhos também. É importante destacar que o uso de metodologias ativas no processo de ensino não é algo novo, posto que se trata de abordagens de ensino com fundamentos de teóricos consagrados, como Dewey (1950), Freinet (1975), Freire (1996), Rogers (1973), Bruner (1978), Piaget (2006), Vygostsky (1998), entre outros autores que ressaltam a relevância do aprendizado diferenciado, de forma ativa e a partir do contexto em que se realiza.

Cabe também destacar o uso de metodologias ativas no processo de formação docente como estratégia de inversão da lógica a que estamos habituados na educação: primeiro a teoria e, posteriormente, a prática.  Iniciar pela teoria ainda é prática recorrente no ensino, mas que está, gradualmente, se desconstruindo a partir da discussão do uso de metodologias ativas (Bacich, 2018).

Metodologias ativas e formação na prática: relato de experiência

Imagens 1. Fonte: Acervo pessoal das autoras (2023)

A formação teve, como objetivo, propor uma visão prática da aplicação de metodologias ativas por meio da vivência de diferentes métodos, e refletir tanto sobre o papel do estudante, quanto sobre o papel do mediador/facilitador. No primeiro momento, o percurso formativo foi oferecido para gestores e professores regentes de 28 unidades de Ensino Fundamental dos Anos Finais em consonância com as premissas e princípios norteadores da SME/RJ. O intuito foi o de possibilitar a introdução de metodologias e práticas ativas, aliadas às tecnologias digitais, fomentando a troca de saberes e práticas entre os professores da rede. No segundo momento, a formação contemplou o(a) coordenador(a) pedagógico(a) e um(a) professor(a) regente das mesmas unidades escolares, formando, assim, uma tríade de formadores que disseminassem, nos territórios, vivências e práticas.

Imagens 2. Fonte: Acervo pessoal das autoras (2023)

Os encontros promoveram uma reflexão sobre: novos cenários da educação; conceitos fundamentais sobre metodologias; estratégias de ensino e aprendizagem ativa em sala de aula; integração de tecnologias da informação; comunicação e vivência em diferentes metodologias; além de apresentar recursos e ferramentas que promovam uma aprendizagem ativa (Weltman, 2007).

Os docentes que participaram da formação trabalharam em equipes para investigar, analisar e buscar soluções para os desafios/problemas a partir de seus conhecimentos prévios, acessando novas informações. Essa abordagem promoveu o pensamento crítico, a colaboração, a resolução de problemas e a aplicação na prática.

A proposta tinha como base vivenciar, de forma prática e imersiva, os seguintes métodos: aprendizagem baseada em problemas; aprendizagem baseada em equipes; aprendizagem baseada em projetos; jigsaw; peer instruction; sala de aula invertida; design thinking; ensino híbrido; e gamificação. Tudo isso por meio de aprendizagem colaborativa; uso de tecnologias digitais; roteiros audiovisuais sobre ferramentas de tecnologia (tutoriais); curadoria de materiais; vivência em estratégias de metodologias ativas em ambientes online e offline; conceitos aplicáveis e elaboração de projetos que pudessem ser replicados nas unidades escolares. Os professores também puderam experimentar o uso de diferentes ferramentas digitais, tais como: Kahoot, Slido Mentimeter, Google Classroom e Padlet.

Durante o percurso formativo, os grupos foram convidados a refletirem e criarem situações-problemas elencadas a partir de ações já realizadas ou em realização pelas unidades escolares. Após a seleção das situações-problemas, os grupos elaboraram projetos que apresentassem relevância no processo, e que atendessem as demandas iniciais apontadas e que pudessem, posteriormente, serem aplicados no campo.

Ainda foi possível mapear, entre os participantes, os conhecimentos prévios relativos às temáticas da formação, assim como identificar as unidades escolares que já realizavam, em suas práticas, a inserção de ferramentas digitais e das metodologias ativas. Algumas unidades escolares já utilizavam ferramentas como Google Classroom para estratégias de reposição de aulas em situações de interrupção e recuperação das aprendizagens.

 

Ressonâncias e ampliações da formação

 

 

 

  1. Elaboração de projetos como produto final dos encontros formativos

Durante os encontros, os participantes construíram experiências de aprendizagens que envolveram metodologias ativas e ferramentas digitais. Os projetos foram elaborados com base em três eixos/etapas: definição dos objetivos de aprendizagem; seleção de estratégias; e recursos didáticos e desenvolvimento das atividades. No último encontro, os grupos tiveram a possibilidade de vivenciar os projetos criados. A premissa central é que o projeto desenvolvido pelos grupos fosse viável de implementação nas unidades escolares.

  1. Encontros de formação vivencial

Por meio de parcerias externas e internas, foram realizados encontros vivenciais formativos, com carga horária de 4 horas, em metodologias ativas e ferramentas digitais com a equipe das Gerências de Educação das Coordenadorias Regionais de Educação (CRE), envolvendo gerentes e representantes das escolas em turno único. O objetivo era o de possibilitar novas experiências de aprendizagens e formação no território, promovendo engajamento, colaboração e ressignificando práticas. 

  1. Centro de Estudos compartilhado

Após o mapeamento de conhecimentos prévios sobre metodologias ativas e ferramentas digitais, as escolas foram organizadas de acordo com a proximidade entre as unidades para, assim, agrupar os professores por “polos” de dinamização de centro de estudos.

  1. Promoção do protagonismo

O contexto pandêmico trouxe à tona a necessidade de promoção do protagonismo tanto dos estudantes, quanto dos docentes, sobretudo por conta da adaptação de atividades ao contexto que se instaurou de forma abrupta. Nesse cenário, foi possível observar que os profissionais que participaram da formação em metodologias ativas e ferramentas digitais iniciaram uma mobilização junto aos pares do seu território em busca de estratégias que estabelecessem o vínculo entre estudante e escola – que fora impactado durante a interrupção das aulas. As experiências já desenvolvidas alavancaram a busca por ações em resposta ao contexto vivenciado, promovendo uma articulação e formação para utilização de plataformas digitais como repositórios, salas virtuais, além de ferramentas e aplicativos que viabilizassem a manutenção da conexão com a escola, propiciando uma reconstrução do trabalho pedagógico.

  1. Encontro de Práticas Educacionais na Pandemia

Ao final do semestre, foi proposto o encontro de Práticas Educacionais na Pandemia, em formato virtual, para as unidades escolares de atendimento de Anos Finais do Ensino Fundamental. O objetivo do encontro era o compartilhamento de práticas exitosas realizadas durante o período de suspensão das aulas presenciais. Os eixos abordados foram: diagnose, sequências didáticas adaptadas ao ensino remoto, evidências de aprendizagens, tipos de registro, metodologias e ferramentas digitais. Os profissionais que participaram do encontro destacaram a relevância do percurso formativo como subsídio teórico-metodológico para esse momento tão desafiador que as escolas estavam enfrentando.

Conclusão

O uso de metodologias ativas e de ferramentas digitais tanto nas salas de aula do Ensino Fundamental dos Anos Finais, quanto na formação continuada de professores pode trazer resultados significativos para o processo de ensino-aprendizagem. Nessa experiência prática, foi possível observar que a inversão do processo de ensino-aprendizagem, com os alunos no centro do processo, aliada ao uso de tecnologias educacionais, pode potencializar a aprendizagem e tornar a educação mais inovadora e engajadora. Também foi possível observar que as metodologias ativas são pontos de partida para avançar em processos mais elaborados de reflexão, de interação cognitiva, de generalização e de reelaboração de novas práticas promotoras de situações em que os estudantes aprendam com os outros estudantes, e que professor esteja em constante ato de descoberta.

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Notas

[1] Parecer CNE/CP N.º 14/2020, aprovado em 10 de julho de 2020. Disponível em: https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/CNE_PAR_CNECPN142020.pdf?query=BNCC%20EI/EF.

 

Andréa Casadonte

Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Pós-graduada (lato sensu) em Administração e Gestão Escolar. Professor II da Rede Municipal do Rio de Janeiro. Atualmente, é formadora no Projeto de Formação Continuada – Eixo: Liderança Pedagógica, 5ª CRE.

Daniele Peres

Pós-graduada em Gestão Escolar, com graduação em Economia e Matemática e extensão em Gestão Educacional Pública. Professora da Rede Municipal do Rio de Janeiro, Professora II, atualmente Formadora no Projeto de Formação Continuada – Eixo: Liderança Pedagógica,1a CRE.

REFERÊNCIAS

BACICH, Lilian. Formação continuada de professores para o uso de metodologias ativas. In: BACICH, Lilian; MORAN, José (org.). Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre: Penso, 2018.

GATTI, B. Formação de professores: condições e problemas atuais. Revista Brasileira de Formação de Professores, v. 1, n. 1, p. 90-102, 2009


MORAN, J. Mudando a educação com metodologias ativas. In: SOUZA, Carlos Alberto de; MORALES, Ofelia Elisa Torres (org.). Convergências Midiáticas, Educação e Cidadania: aproximações jovens. Ponta Grossa: Universidade Estadual de Ponta Grossa, 2015. (Coleção Mídias Contemporâneas; v. 2). Disponível em: https://moran.eca.usp.br/wp-content/uploads/2013/12/mudando_moran.pdf. Acesso em: 1 jun. de 2023.


WELTMAN, David. A comparision of traditional and active learning methods: an empirical investigation utilizing a linear mixed model. 2007. 134f. Tese de Doutorado (Doutorado em Filofosia). The University of Texas at Arlington, 2007.

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