Cancelar Preloader

Reflexões sobre tecnologia e educação no contexto da Rede Pública Carioca de Ensino

Autor: Simone Monteiro de Araujo

O debate em torno da relação entre tecnologias e educação vem de longa data, e é permeado por múltiplas concepções e abordagens, circunscritas a cada contexto histórico, político, econômico e social. No idos de 2006, no artigo “Tecnologias e novas educações”, os autores Nelson Pretto e Cláudio da Costa Pinto (2006), referências desse campo no Brasil, já sinalizavam a necessidade de problematizar a questão para além da discussão sobre os usos (ou não) de tecnologias como meras ferramentas de apoio ao ensino. Eles enfatizam, a partir do próprio título, o imperativo de repensar o sistema educacional, principalmente no que diz respeito às questões curriculares, considerando as transformações do mundo científico, tecnológico, cultural e social. A provocação central desse trabalho é que o meio educacional não considere as apropriações das tecnologias como se elas fossem, por si sós, capazes de reverter situações.

Em 2023, momento em que a Organização das Nações Unidas para a Educação (UNESCO) publica seu relatório de monitoramento global da educação intitulado “A tecnologia na educação: a serviço de quem?” (2023), o debate parece reacender, no cenário educacional mundial, as reflexões sobre os impactos dessa relação nos processos de ensino e de aprendizagem, sobretudo nos contextos da educação formal.

Na tentativa de contribuir com o debate e considerando o contexto da rede pública municipal de ensino carioca, propomos uma abordagem inicial, destacando alguns conceitos básicos que explicitam a perspectiva aqui adotada, retomando, também, uma breve linha do tempo das políticas públicas desenvolvidas nesse campo ao longo da trajetória dessa rede.

Nosso ponto de partida é a palavra “tecnologia” que, a partir de sua origem, pode significar o estudo do ato de transformar e de modificar. Desse modo, tecnologia é aqui assumida como o conjunto de conhecimentos, razões em torno de algo e/ou maneiras de alterar o mundo de forma prática, com o objetivo de satisfazer as necessidades humanas.

Desde os primórdios, o homem busca transformar a natureza, seja para sobreviver às intempéries e catástrofes, seja para acumular recursos ou conquistar reconhecimento social, entre outros objetivos. Nesse processo, a criação, o uso e a apropriação cultural de ferramentas tecnológicas, desenvolvidas em cada período da história da humanidade, são atos genuinamente humanos. Logo, desde a pedra lascada até o microchip, humanidade e tecnologia caminham juntas.

Muitas vezes, utilizado de forma limitada, o termo tecnologia costuma ser relacionado apenas a equipamentos e dispositivos eletrônicos ou fios e teclas para apertar. Para além dessa compreensão, é preciso considerar sua apropriação em sentido mais amplo, em que o termo pode significar tanto o produto material, como o imaterial e intangível. A depender dos interesses subjacentes, a palavra tecnologia pode ter seu sentido ampliado ou reduzido. Torna-se, portanto, fundamental situar a teoria, o método ou o campo de conhecimento que dela faz uso, pois tecnologias não são neutras.

Nessa incessante busca por criar ou aperfeiçoar instrumentos, modelos ou processos que atendam às necessidades e à curiosidade humana no/ sobre o mundo, surgem não apenas novas ferramentas, mas, também, novos padrões de conduta, decorrentes de seus usos e das interações por elas provocadas, pautando, assim, valores e princípios culturalmente constituídos. Para além da evolução tecnológica, as mudanças decorrentes desses processos alteram, significativamente, os modos como nos relacionamos, como percebemos o mundo e como somos afetados pelas dimensões de tempo e espaço. Quem se recorda de como era nossa vida antes da internet?

No campo da educação, considerando especialmente sua relação com as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), essas novas formas de ser e de estar no mundo implicam no reconhecimento da força dessas tecnologias na mediação das diversas instâncias de sociabilidade. O conhecimento tecnológico disponível a cada época se relaciona, inevitavelmente, aos processos comunicacionais. A chamada cultura digital tem provocado impactos profundos nos modos como as informações são produzidas e compartilhadas, afetando de modo significativo as relações que se estabelecem dentro e fora da escola. Nesse cenário, falar de tecnologias em educação envolve pensar não só no uso de diferentes mídias e suas respectivas linguagens, mas, igualmente, nos fazeres pedagógicos atravessados pela presença desses dispositivos pelas mensagens por eles veiculadas e por seus contextos de produção.

O momento histórico recente da pandemia de COVID-19, iniciada em 2020, ampliou a percepção do grande desafio posto para as instituições de ensino frente aos múltiplos modos de produção e circulação de informações e conhecimentos. Como uma grande lente de aumento, a pandemia tornou ainda mais visível o fato de que “novas tecnologias”, quando entendidas apenas como mero recursos de apoio e inseridas em práticas pautadas por determinados modos de conceber o ato educativo, podem estar apenas a serviço de “velhas metodologias”.

Em tempos de WhatsApp, de algoritmos e de Inteligência Artificial, questões relacionadas à autoria, à dimensão ética e estética das produções em diferentes plataformas e às condições desiguais de acesso a informações, entre outras, representam o primeiro grande desafio aos educadores e estudiosos do tema, qual seja, de identificar o lugar da escola e de suas práticas na contemporaneidade.

Estamos todos imersos nesse contexto e, ainda, não temos respostas para muitos dos desafios encontrados e nem soluções fáceis ou definitivas. Sabemos que, apesar de ser um fator importante e desejável, apenas a introdução de novas tecnologias não garantirá a superação desse quadro. É preciso revisitar os pressupostos e as crenças que sustentam as ações na escola, reconhecendo esse movimento como ato contínuo e inerente ao fazer pedagógico, pois, nunca é demais reforçar que o conhecimento, matéria-prima do trabalho educativo, não é fixo ou imutável, e sempre nos apresentará novos desafios e possibilidades.

Na cultura digital, as mudanças são cada vez mais rápidas e afetam todas as esferas e dimensões humanas e, assim, também os sentidos da escola se modificam. Nesse contexto, ainda que não tenhamos todas as respostas, um primeiro consenso parece ser o de que a ideia de escola como única via de acesso ao conhecimento sistematizado ou detentora de saberes universais não se sustenta mais. Do mesmo modo, refletir sobre os fazeres docentes, especialmente no contexto da cultura digital, envolve considerar a questão das mudanças no mundo do trabalho. Como educadores desse tempo, agimos, cotidianamente, sob os impactos das transformações tecnológicas sobre nosso trabalho, o que nos convida a refletir sobre o dia a dia da sala de aula e os modos como nossas ações se relacionam com/neste mundo, e afetam o desenvolvimento e a aprendizagem dos estudantes.

Carros que dirigem sem motoristas ao volante, lojas que vendem e entregam seus produtos sem a presença de funcionários, máquinas que planejam e constroem casas sozinhas são exemplos das inúmeras evidências de um futuro que já é agora, no qual a evolução tecnológica, nos diversos campos, altera os modos de ser e de fazer dos profissionais. Assim, historicamente, profissões são extintas e outras ressignificadas e, nesse cenário, cabe destacar o desafio de educar, hoje, crianças e jovens que, certamente, ocuparão postos de trabalho que sequer existem.

Mais do que nunca, não parece haver espaço para um professor que atue como mero “transmissor de informações”, pois, como já mencionado aqui, os modos como essas informações são produzidas e circulam em sociedade mudam a cada instante. Nesse sentido, torna-se mais urgente e necessário realizar uma “mediação pedagógica” que envolva os conhecimentos a serem constituídos com/pelos estudantes e as habilidades necessárias para se relacionarem de modo qualificado com uma imensidão de dados uma vez que apenas propiciar o acesso à informação não basta para favorecer uma apropriação crítica.

Todas essas mudanças, que se dão numa velocidade cada vez mais intensa, muitas vezes, causam uma sensação de caos, pois, além do ritmo e da intensidade em que ocorrem, não são fruto de um processo linear, mas, ao contrário, complexo e multifacetado, com idas e vindas, avanços e recuos. Um exemplo recente é a questão da presença dos celulares em sala de aula. Países como a Finlândia, Holanda, França e Itália, se movimentam na direção de adotar medidas restritivas ao uso desses dispositivos em sala de aula, em consonância com o relatório UNESCO, já citado. A principal intenção parece ser diminuir a distração e aumentar o aprendizado com base em diversos estudos científicos. Em nosso contexto, um Decreto Municipal (N.º 53.019/23) acaba de apontar na mesma direção, salientando, como naqueles países, que o uso pedagógico do celular permanece autorizado. Essa é uma boa oportunidade para discutir o tema, fugindo de discussões superficiais pautadas pelo senso comum, e buscando fundamentos que subsidiem uma reflexão crítica e propositiva acerca da questão.

Um olhar sobre a trajetória da relação entre a escola e as diferentes mídias pode ser um bom caminho para o entendimento mais amplo. Segundo Hobbs e Jensen (2013), “é necessário que os educadores […] conheçam e entendam melhor o passado deste campo para conseguirem compreender onde nos encontramos agora e para onde estamos indo.”

De acordo com os limites e objetivos deste artigo, não é possível retomar aqui toda a trajetória da relação entre a escola e as TICs ou entre os campos da educação e da comunicação. No entanto, ao recuperar informações numa linha do tempo da Secretaria Municipal de Educação (SME) carioca, podemos identificar que essa relação tem raízes profundas.

A rede pública municipal de educação do Rio de Janeiro é, reconhecidamente, uma das pioneiras no desenvolvimento de ações, parcerias e projetos em torno das diferentes mídias e suas respectivas linguagens. Ao longo de sua trajetória, alguns momentos foram representativos dos principais marcos dessa caminhada com ações, diretrizes e documentos produzidos. Tais destaques não podem ser compreendidos de modo estanque, mas, sim, como uma complexa teia nas quais cada iniciativa se constituiu. Ao retomar essa trajetória da rede, é importante considerar que diferentes contextos sociais, políticos, econômicos também estiveram/estão em jogo, assim como os reflexos da própria história da construção da relação entre as tecnologias e a educação. Não é proposta deste artigo realizar análises contextuais de cada iniciativa, mas sim, relembrá-las com o intuito de subsidiar reflexões em torno do que foi realizado, ao longo dessa trajetória, propiciando novos aprendizados.

Nessa breve retrospectiva, é possível identificar que, entre os anos 70 e 80, iniciativas, como o projeto Municine, apontavam, já naquele momento, para a importância de propiciar a vivência da produção audiovisual a professores e estudantes. Esse projeto envolveu diversas escolas por iniciativa da, então, Secretaria Municipal de Educação e Cultura do Rio de Janeiro.

Mas, tomando como ponto de partida a SME, no ano de 1985, observa-se uma transição importante na rede, quando o modelo que contava com o serviço de multimeios nas escolas cedeu lugar à criação das primeiras Salas de Leitura. Os profissionais de multimeios eram, até então, responsáveis pela orientação do uso dos recursos analógicos e eletrônicos disponíveis nas escolas, como livros, retroprojetores e projetores de slides, entre outros, além da organização de murais e do apoio à realização de programações culturais. Já as Salas de Leitura, instituídas pelo Programa Especial de Educação, surgiram com o principal objetivo de ampliar o acesso e a apropriação de diferentes recursos pela comunidade escolar, tendo em vista formar leitores capazes de interagir com diferentes tipos de textos e de suportes textuais, disponíveis à época, com base na premissa freireana de que a “leitura de mundo precede a leitura da palavra”.

Em 1992, foram estruturadas as primeiras Salas de Leitura Polo que passariam a contar, em sua estrutura, com um núcleo de mídia, em que, junto aos livros, equipamentos de áudio, vídeo, além de linhas telefônicas exclusivas e computadores propiciavam a elaboração e desenvolvimento de ações e projetos pedagógicos. Essas unidades passariam a atuar como multiplicadoras das diretrizes de trabalho para as demais Salas de Leitura, denominadas “satélites”, ampliando seu alcance e impacto na rede.

Por intermédio de uma lei municipal (Lei N.º 2029, 18/10/1993), foi criada a MultiRio, empresa pública municipal, vinculada à SME. Desde sua criação, a MultiRio vem referendando sua atuação no campo da midiaeducação, assumindo os compromissos de pesquisar linguagens e novos formatos, experimentando possibilidades tecnológicas em sintonia com as diretrizes da política pública educacional. Para isso, produz e veicula conteúdos em diferentes plataformas, tendo em vista promover o desenvolvimento e a aprendizagem dos estudantes, além de realizar ações específicas voltadas para a formação dos profissionais da educação, favorecendo sua apropriação crítica e criativa dos diferentes meios e suas respectivas linguagens.

Ao longo de quase três décadas, foram produzidos mais de dez mil conteúdos em diversas mídias, além de diversas ações e projetos especiais. Toda a movimentação com a criação da empresa contribuiu, de modo significativo, para ampliar as discussões encaminhadas pela SME nesse campo. Em 1996, foi sistematizada a proposta curricular denominada MultiEducação, organizada com base no cruzamento entre Princípios Educativos e Núcleos Conceituais. Esse documento apontava a inserção das diferentes Linguagens como um dos princípios norteadores do trabalho docente.

Vivemos hoje num espaço-tempo em que a fragmentação, a multiplicidade das informações e a grande velocidade em que circulam constituem-se como características marcantes. Impulsionadas pelos avanços tecnológicos, tais características contribuem decisivamente para novas configurações políticas, éticas e estéticas das relações sociais, dos modos de produção e da constituição de conhecimentos dentro e fora da escola. (MultiEducação, 1996)

A partir desse marco, diversas iniciativas reafirmaram a busca incessante por modelos e propostas de ação, sempre na perspectiva de alinhar a política pública educacional com as necessidades e demandas de seu tempo. A seguir serão apresentados, alguns desses destaques:

  • 1998 – A Prefeitura manifesta formalmente sua adesão ao Programa de Informática do Governo Federal (PROINFO), ampliando a presença de computadores nas escolas com a instalação de laboratórios de informática. Nesse mesmo ano, foram criadas as Unidades de Extensão Educacional no contexto do Programa de Extensão Curricular. Essas unidades tinham com principal objetivo oferecer atividades diversificadas em caráter optativo e em horário alternativo ao da grade curricular obrigatória. Dentre as atividades oferecidas, especialmente nos Núcleos de Artes e nos Polos de Educação pelo Trabalho, constavam as oficinas de Artes Visuais, Rádio, Vídeo e Informática. Posteriormente a estrutura da proposta foi alterada pela Lei N.º 7.090, de 27 de outubro de 2021. Atualmente, as unidades existentes estão sob a coordenação da Coordenadoria de Diversidade, Cultura e Extensão Curricular, da Subsecretaria de Ensino;
  • 2001 – Em setembro desse ano, foi lançado oficialmente o Programa de Informática Educativa da Rede Pública Municipal de Ensino do Rio de Janeiro, com o objetivo de inserir todas as unidades escolares da Rede no contexto das TICs. O programa foi desenvolvido até o ano de 2008, e contou com o apoio do Governo Federal e de instituições parceiras para a instalação dos novos laboratórios de informática, além de ações sistemáticas para a formação de professores. Ainda no ano de 2001, ocorreu a primeira edição da Mostra Geração, na programação do Festival do Rio, um dos maiores eventos do campo audiovisual na América Latina. Desde então, ocorre uma participação ininterrupta de professores e estudantes da Rede, não apenas como espectadores da cinematografia apresentada, mas também, como exibidores de produções autoriais;

    2002 – Acompanhando a vocação audiovisual da cidade, a Secretaria Municipal de Educação celebrou a parceria com os realizadores do Festival Anima Mundi, com o projeto Anima Escola. Desenvolvido na Rede, no período de 2002 a 2018, a proposta explorava a linguagem da animação junto aos professores e estudantes. Além dos cursos de formação e das oficinas nas escolas, algumas produções resultantes desse processo foram exibidas no Festival Anima Mundi, nas sessões da Mostra Futuro Animador;

  • 2003 – Foi realizada a primeira edição da Mostra de Projetos Século XXI, promovida pela MultiRio no período de 2003 a 2008. A proposta buscava estimular e divulgar trabalhos desenvolvidos por professores da Rede voltados para a apropriação de diferentes mídias no ambiente escolar. Em seis edições, foram recebidos cerca de quinhentos relatos de atividades desenvolvidas nas escolas. Na terceira edição do evento, em 2005, a parceria estabelecida com a Comissão Gestora do Programa de Informática Educativa da SME incluiu, na programação, o 1º Encontro de Monitores das escolas com Laboratório de Informática, e o evento passou a ser chamado Mostra Troc@ndo Idei@s com o Século XXI;

     

  • 2004 – Um marco importante na trajetória da Rede foi a realização da 4ª Cúpula Mundial de Mídia na cidade do Rio de Janeiro. A Cúpula integrou um movimento internacional em favor do direito de acesso de crianças e jovens à mídia de qualidade coordenado pela Summit on Media for Children Foundation, com sede na Austrália. O evento foi, então, realizado pela primeira vez na América do Sul, sob a coordenação da MultiRio, em conjunto com a ONG Midiativa, de São Paulo. As cúpulas têm por finalidade conscientizar e articular, nos cinco continentes, uma discussão sobre mídia de qualidade para crianças e jovens, de maneira a influir sobre a legislação, produção e veiculação desses conteúdos em todo o mundo. Sob o tema “Mídia de todos, para todos”, o evento conseguiu reunir cerca de três mil profissionais de mídia, educação e cultura oriundos de setenta países, além de 150 adolescentes, representantes dos cinco continentes. No encerramento, foram apresentadas as “Cartas do Rio de Janeiro”, documentos elaborados por profissionais e adolescentes presentes e, posteriormente, encaminhadas a autoridades nacionais e internacionais. Ainda no ano de 2004, foi publicado, pela Secretaria Municipal de Educação, o caderno orientador do trabalho nos laboratórios de informática. O material foi produzido a partir de discussões com professores e do acompanhamento do trabalho até então realizado nas escolas, com o objetivo de sistematizar as principais diretrizes para a organização e o funcionamento dos laboratórios de informática;

  • 2006 – Após dez anos da publicação do currículo MultiEducação, um intenso movimento de discussão na Rede foi iniciado, resultando na atualização desse documento. Essa iniciativa promoveu não apenas a revisão de conceitos, nos diversos componentes curriculares, como possibilitou a inserção de novos temas, como o fascículo “Midía e Educação”, sistematizando, em documento curricular inédito, as bases para o trabalho nesse campo;

  • 2008 – O Plano Municipal de Educação da Cidade do Rio de Janeiro, promulgado pela Lei N.º4866, de 2 de julho de 2008, foi coordenado pelo Conselho Municipal de Educação, e apresentou, em seu texto final, a perspectiva midiaeducativa da política pública municipal de educação: “educar COM as mídias, PELAS mídias e PARA as mídias” (Item 3.4, p. 73-77). Nesse mesmo ano, foi lançado oficialmente o projeto Cineclube nas Escolas, com o objetivo de reconhecer e sistematizar práticas já existentes na Rede, e promover o acesso plural a experiências culturais e artísticas, possibilitando, por meio do cinema, o desenvolvimento da sensibilidade estética, do pensamento crítico e da autonomia criativa na articulação com diferentes campos de conhecimento. Atualmente, a proposta está sob a coordenação da Gerência de Leitura, na Subsecretaria de Ensino. Finalizando o ano de 2008, a SME adquiriu notebooks, por licitação, destinando-os a cada professor da Rede (nas escolas, nas CREs e no Nível Central) para uso pessoal e profissional;

  • 2010 – A partir da criação da Subsecretaria de Novas Tecnologias Educacionais, diversas ações foram desenvolvidas na Rede, dentre as quais destacaram-se a criação do site Rioeduca e a Educopédia, plataforma de aulas digitais online, com material de apoio aos professores, planos de aula, jogos pedagógicos e vídeos, entre outras ferramentas. A plataforma, cujo conteúdo foi produzido por cerca de trezentos professores da própria rede municipal, tinha como principal objetivo tornar o ensino mais atraente e mobilizador para crianças e adolescentes;

  • 2011 – Foi estruturado o kit Educopédia para as escolas, viabilizando o acesso e uso da plataforma (Educopédia) em cada sala de aula. O kit contou, inicialmente, com quadro branco, projetor multimídia, notebook e caixas de som. Na sequência, as escolas receberam, também, netbooks para uso pelos estudantes e armários com rodas para seu armazenamento e recarga. Nesse ano, também, foi realizado o I Festival Audiovisual da Rede Municipal, organizado pela SME, por intermédio do projeto Cineclube nas Escolas. A ação envolveu a exibição de produções autorais da Rede, e contou com a curadoria do CINEDUC – Cinema e Educação, renomada entidade sem fins lucrativos, fundada em 1970, e declarada de utilidade pública por lei municipal, em 1984. Registrou-se, ainda, nesse ano, a distribuição para os acervos das escolas do primeiro longa metragem produzido por professores e alunos da Rede. O filme “Alma Suburbana”, produzido em 2007, sob coordenação do professor Luiz Cláudio Lima, do Núcleo de Arte Grécia (4ª CRE), em parceria com o Cineclube Subúrbio em Transe. Em 2011, o filme foi reproduzido em DVD e distribuído para os acervos das escolas da Rede;

  • 2013 – Foi inaugurado o Ginásio Experimental de Novas Tecnologias Educacionais (GENTE). Com uma proposta pedagógica diferenciada, a iniciativa envolveu estudantes dos 7º, 8º e 9º anos do Ensino Fundamental, com foco na inovação e no uso de tecnologias educacionais para potencializar seu processo de aprendizagem;

  • 2015 – Foi realizada a pesquisa intitulada “Projetos de mídia-educação nas escolas da Rede Pública Municipal do Rio de Janeiro e aprendizagem escolar”, fruto da parceria entre o Instituto Desiderata, a SME e o Grupo de Pesquisa Educação e Mídia (GRUPEM), vinculado ao Programa de Pós-graduação em Educação da PUC-Rio. Os resultados da análise empreendida foram compartilhados na Rede, subsidiando reflexões sobre as políticas até então implementadas e seus impactos no trabalho desenvolvido nas escolas;

  • 2018 – O lançamento da BNCC ratificou, dentre as dez competências gerais apresentadas no documento, a referência explícita às Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação (TDIC), competência 5, apresentando direcionamentos importantes para o trabalho realizado na Rede;

  • 2019 – Foram realizados dois festivais sob coordenação da MultiRio em conjunto com a Secretaria Municipal de Educação: o Festival MultiRioFilme, em parceria com a Riofilme e o Centro Técnico do Audiovisual (CTAV), órgão do Governo Federal e o Festival MultiRio Web+Game, buscando promover e dar visibilidade à produção autoral de estudantes e professores, reconhecendo o papel e a importância de novas plataformas e formatos. Essa iniciativa contou com a parceria da, então, Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Tecnologia do Rio de Janeiro (SMDT);

  • 2020 – Com a pandemia de COVID-19, escolas no mundo inteiro foram fechadas. As plataformas e as redes sociais digitais ocuparam espaços sem precedentes nas práticas pedagógicas. Diante de uma realidade desafiadora, foram produzidas as primeiras videoaulas da Rede. Também foi organizada, nesse período, uma nova edição do Festival MultiRioFilme, de modo totalmente online, a partir do tema “O Rio contra o Corona”. A mobilização da Rede e a adesão à proposta contribuíram para a inscrição de mais de cem vídeos, produzidos, de casa, por estudantes e professores da Rede;

  • 2021 – Ainda sob os efeitos da pandemia, um novo ciclo de gestão da educação carioca se iniciava, com a retomada gradativa das atividades presenciais. O ensino híbrido envolveu diversas iniciativas, destacando-se a produção do Material Pedagógico Rioeduca, novas videoaulas no programa Rioeduca na TV, o aplicativo Rioeduca em Casa, além da Rioeducopédia, plataforma com percursos formativos estruturados a partir das videoaulas produzidas;

  • 2022 – Esse ano marcou a inauguração dos primeiros Ginásios Experimentais Tecnológicos (GETs). A proposta envolve, em tempo integral, escolas com espaços e metodologias específicos para o desenvolvimento de projetos colaborativos no contexto da cultura “mão na massa”, ancorados na abordagem STEAM (Ciências, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática). Registrou-se, ainda em 2022, no contexto do planejamento estratégico da SME, um conjunto de ações organizado pela MultiRio para o desenvolvimento da cultura digital na Rede. Dentre tais ações, destacam-se: a realização de um levantamento diagnóstico dos níveis de letramento digital entre os professores da Rede; a Agência de Notícias dos Alunos da Rede (ANDAR); a plataforma Cartografias de Boas Práticas da Rede; além de ações voltadas para a formação de professores. Nesse ano, também foram lançadas, pelo Ministério da Educação (MEC), as normas para o ensino de computação na educação básica, em complemento ao documento da BNCC de 2018.

É provável que algo tenha sido esquecido, mas essa trajetória continua, e cada profissional da Rede deve se perceber como parte dessa história, com suas experiências, limites e possibilidades, para juntos continuarem escrevendo novos capítulos.

Como reflexão final, ao pensar na relação entre tecnologia e educação, propomos, como exercício coletivo, estabelecer uma analogia com o ato de dirigir um carro, em que, para seguir em frente com segurança, não podemos deixar de olhar para trás, pelo retrovisor. É preciso revisitar nossas experiências prévias com as tecnologias para nos lançarmos na direção daquilo que amplia nossa apropriação crítica a fim de seguirmos em frente com nossos alunos. A proposição de atividades que os incentivem na reelaboração e transformação dos conteúdos pressupõe encarar o desafio da escuta sistemática e intencional, para conhecer seus repertórios prévios e favorecer a autoria e os protagonismos em sala de aula. Nesse contexto, outro grande desafio para os educadores é reconhecer que não são os recursos (tecnológicos) que determinam as situações de aprendizagem, mas ao contrário, são as necessidades de aprendizagem e os contextos de atuação que devem apontar quais recursos (digitais ou analógicos) devem ser incorporados ao processo de modo a potencializar o trabalho docente e o desenvolvimento de habilidades nos diferentes componentes curriculares e níveis de ensino.

Mesmo reconhecendo que, cada vez mais, muitos estudantes têm acesso a diferentes tecnologias digitais, só na escola ocorrem determinadas interações, além da mediação pedagógica com os diferentes saberes e práticas. Não basta, portanto, apenas usar diferentes tecnologias, mas entender como funcionam, lidar criticamente com um mundo intensamente mediado por elas, imaginando, inclusive, como as coisas podem ser diferentes. Para isso, é fundamental acreditar que a escola é, ainda, o melhor espaço para essa revolução!

Simone Monteiro de Araujo

Pedagoga (UFRJ), Especialista em Alfabetização (UFRJ) e em Mídia, Tecnologias da Informação e Práticas Educacionais (PUCRJ) e Mestre em Educação (PUC-RJ). Professora da Rede Pública Municipal de Ensino do Rio de Janeiro, desde 1985, com atuação como regente e integrante de equipes nos níveis intermediário (CRE) e central da Secretaria Municipal de Educação. Atualmente, é Assessora de Articulação Pedagógica da MULTIRIO, Empresa Pública Municipal de Multimeios, vinculada à Secretaria Municipal de Educação

REFERÊNCIAS

HOBBS, R.; JENSEN, A. The Past, Present, and Future of Media Literacy Education. Journal of Media Literacy Education, v. 1, n. 1, 2013. Disponível em: https://doi.org/10.23860/jmle-1-1-1. Acesso em: 29 ago. 23.

PRETTO, Nelson; PINTO, Cláudio da Costa. Tecnologias e novas educações. Revista Brasileira de Educação, vol. 11, n. 31, p. 19-30, jan.-abr., 2006,

RIO DE JANEIRO. Núcleo Curricular Básico MULTIEDUCAÇÃO. RJ, SME/RJ, 1996.

UNESCO. Resumo do Relatório de Monitoramento Global da Educação 2023: Tecnologia na educação: Uma ferramenta a serviço de quem? Paris: UNESCO, 2023.

plugins premium WordPress