Do Rio de lá para o Rio de cá: o encontro da cultura do nordeste com a cultura do Rio de Janeiro

Autora: Maria Abreu da Silva Oliveira Lima

O presente artigo tem como objeto de estudo as práticas docentes utilizadas em um Espaço de Desenvolvimento Infantil localizado na Maré, zona norte da cidade do Rio de Janeiro, com crianças de Pré-escola na faixa etária a partir de 4 anos a 5 anos e 11 meses de idade. Tem como objetivo geral oportunizar as crianças um contato com as principais manifestações culturais nordestinas, dentre elas, a literatura de cordel, visto que as crianças estão inseridas em um território com um acentuado processo de migração nordestina, fazendo-se necessária a valorização da cultura nordestina e o encontro com a cultura da cidade na qual agora estão inseridas, no caso a cidade do Rio de Janeiro.

O artigo traz a metodologia de revisão bibliográfica e intervenções pedagógicas, mostrando diferentes propostas didáticas desenvolvidas a partir do tema: Do rio de lá para o rio de cá: o encontro da cultura do nordeste com a cultura do Rio de Janeiro. O levantamento bibliográfico foi realizado a partir da leitura de documentos como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) (BRASIL, 2009), o Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA (1990), Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei n°9394/96 (BRASIL, 1996), Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 1998) e autores como Souza e Amarilha (2006), Vygotsky (1989) dentre outros. Os resultados alcançados foram primordiais para estimular práticas motivadoras de leitura com as crianças pequenas, visto que com a utilização dos cordéis e de novas tecnologias digitais como a criação de podcasts, as crianças mostraram um maior interesse e encantamento pelos assuntos discutidos e trabalhados em sala de aula.

Palavras-chave: cultura; literatura de cordel; podcasts; educação infantil.

Introdução

A escola enfrenta possíveis desafios, uma vez que o desenvolvimento tecnológico e digital vem mudando a forma com a qual crianças e jovens se relacionam com os conteúdos formais e não formais do qual possuem acesso. Nesse sentido, os maiores desafios enfrentados na atualidade é ensinar e aprender atrelados ao novo modelo de educação que está voltado para as novas tecnologias da informação e do conhecimento, sendo fundamental também oferecer capacitação e novas ferramentas aos professores, para que assim, ajudem os educandos no processo de ensino e aprendizagem.

Dentro dessa perspectiva, o presente artigo: Do rio de lá para o rio de cá: o encontro da cultura do nordeste com a cultura do Rio de Janeiro, tem como objetivo geral oportunizar as crianças um contato com as principais manifestações culturais nordestinas, dentre elas, a Literatura de Cordel,  visto que as crianças estão inseridas em um território com o processo de migração nordestina, fazendo-se necessária a valorização da cultura nordestina e o encontro com a cultura da cidade na qual agora estão inseridas, no caso a cidade do Rio de Janeiro. Tem como objetivos específicos identificar quais as possibilidades do uso da literatura de cordel juntamente com os podcasts e suas principais contribuições na educação infantil.

Nesse contexto, a pesquisa se justifica ao incluir a literatura de cordel e os podcasts na educação infantil tendo a finalidade de colocar a criança com o papel ativo na sua aprendizagem e construção de novos conhecimentos.

Para Catharina (2015) o podcast possibilita a interação por parte do educando, isso porque ele pode decidir o que quer ouvir e pode escolher o melhor horário para estudar. Essas possibilidades fazem com que o podcast contribua para que o educando seja capaz de construir o seu próprio conhecimento.

Com a finalidade de colher maiores informações para a produção do presente artigo foram realizadas visitas ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), à exposição Armorial a qual celebrava o Cinquentenário do movimento liderado pelo dramaturgo, professor, pintor, músico e escritor Ariano Suassuna (1927-2014). Tendo como fio condutor a estética Armorial, presente na identidade visual da mostra com o multicolorido de festas populares, como o reisado e o mundo preto e branco das xilogravuras do cordel, o projeto tem caráter multicultural e promove a convivência das artes plásticas com palestras literárias e encontros musicais.

Conforme as Propostas da Secretaria Municipal de Educação da Cidade do Rio de Janeiro, o presente artigo visa estabelecer uma relação entre a teoria e a prática, apresentando novas ferramentas digitais que possam aprimorar as práticas pedagógicas, visando sempre alcançar os interesses e respeitar o tempo e ritmo das crianças.

Referencial Teórico

O Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI) tem como proposta abrigar a creche e a pré-escola num mesmo ambiente físico, facilitando a permanência dos mesmos grupos de crianças em uma única unidade escolar durante a Educação Infantil, favorecendo o melhor monitoramento do desenvolvimento ao longo dos anos. De acordo com a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro – SME/RJ (2010), este novo modelo público de atendimento à primeira infância, tem como objetivo principal o atendimento de crianças entre 3 meses e 5 anos e 11 meses, através de uma proposta pedagógica que atenda suas necessidades de desenvolvimento, com uma rotina e relações estáveis que proporcionem um sentimento de pertencimento, confiança e segurança.

Segundo as Orientações Curriculares para a Educação Infantil (BRASIL, 2010), a oralidade, a leitura e a escrita são entendidas como experiências socialmente construídas e se revelam nas interações que acontecem no cotidiano da educação infantil. É a partir dessas vivências que as crianças começam a se apropriar das diversas linguagens e a descobrirem novas possibilidades.

De acordo com Salles (2008) o cordel quer dizer barbante ou corda fina, uma forma de exposição dos livretos nas praças e feiras do interior do Nordeste e a xilogravura é uma técnica preferida pelos criadores de cordel, para a confecção das capas e ilustrações das revistas.

Para Souza e Amarilha (2006) o texto literário possibilita educar para incluir, podendo ser montado através de personagens reais, com fraquezas, defeitos e diferenças. Dessa forma a literatura aliada a outras ferramentas como por exemplo, o podcast, tornam-se fundamentais no processo de ensino e aprendizagem desde a educação infantil.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL 2010 b) definem a criança como um sujeito histórico que constrói a sua identidade pessoal e coletiva a partir das relações e práticas cotidianas que vivencia. Nesse contexto, o currículo escolar deve articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos artísticos, ambientais, científicos e tecnológicos, tendo como princípios a autonomia, a ludicidade e a liberdade de expressão.

Dessa forma, a primeira etapa da vida escolar das crianças visa formar estreitos vínculos com professores e funcionários e com todas as situações de aprendizagem no dia a dia. É nesse clima de afeto e confiança que as crianças vão adquirindo segurança em suas próprias capacidades, vivenciando múltiplas oportunidades para o desenvolvimento da criatividade e do prazer pelo conhecimento.

Segundo Vygotsky (1989) o primeiro contato da criança com novas atividades, habilidades ou informações deve ter a participação de um adulto. Ao internalizar um procedimento, a criança apropria-se dele, tornando-o voluntário e independente. Dentro desta perspectiva Lev Vygotsky nos faz refletir que o professor deve se fazer presente em suas aulas, demostrando aos alunos abertura, reciprocidade e compromisso, realizando no planejamento educacional um fazer pedagógico de qualidade que eleve os processos de autogestão e autoestima dos alunos

São direitos da Educação Infantil, explicitados no Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL,1990) que a criança assuma a condição de cidadã devendo ser respeitada como ser detentora de uma série de direitos, como ao afeto, ao brincar, ao querer, ao conhecer, ao sonhar e, especialmente, ao direito de ser criança.

Nessa perspectiva, a Base Nacional Comum Curricular- BNCC (BRASIL, 2017) trabalha um currículo voltado para as habilidades e competências e portanto, é importante que o(a) professor(a) entenda a dinâmica que está sendo realizada dentro do processo de ensino e aprendizagem.

Fonte: Acervo pessoal da autora.

Propostas Didáticas a partir do tema: Do rio de lá para o rio de cá: o encontro da cultura do nordeste com a cultura do Rio de Janeiro

A seguir apresentaremos detalhadamente como o assunto foi trabalhado e desenvolvido juntamente com as crianças.

Atividade 1 – Passeio virtual pelo CCBB:

 No 1° momento as crianças foram convidadas a participar do tour virtual do CCBB. No 2º momento a professora fez perguntas para às crianças sobre o tour virtual que acabaram de ver: O que é um museu? Como vocês se sentiram vendo o museu? Que quadro gostou mais? Que escultura achou mais legal? Quem já foi em um museu? Quem tem vontade de ir em um museu? No 3° momento, propôs um desenho livre sobre o que viram deixando a imaginação fluir.

Atividade 2 – Conhecendo um pouco sobre a Literatura de Cordel.

No 1º momento, para dar início ao estudo, as crianças assistiram ao seguinte vídeo:  Cordel encantado: O Saci.  No 2º momento foram feitas perguntas as crianças sobre o vídeo que acabaram de ver: Do que trata o vídeo? Que história foi contada? Em qual lugar se passou a história? Quantos personagens aparecem na história?  E no 3° momento a professora propôs um desenho sobre a história, pedindo para desenhar os personagens.

Fonte: Acervo pessoal da autora.

Atividade 3 – Conhecendo a Literatura de Cordel, como apresentação teatral.

No 1º momento, começamos com a apresentação do cordel em vídeo, mas com um outro tipo de apresentação: A Dona Baratinha em cordel. No 2º momento foi perguntado às crianças sobre o vídeo que acabaram de ver: Como é esse vídeo? Tem alguém contando essa história? Que tipo de história é essa? O que aconteceu na história? E no 3° momento as crianças foram convidadas a contar histórias com os brinquedos que tem na sala.

Atividade 4 – Apresentação das letras usadas no Cordel.

No 1º momento usamos imagens das letras usadas no cordel para mostrar como são desenhadas. No 2º momento, a professora conversou sobre o formato das letras, verificando os desenhos feitos em cada uma delas e no 3° momento pediu que cada criança encontrasse a letra do seu nome e copiasse em um papel A4.

Atividade 5 – Arte com a letra de Cordel.

No 1° momento, cada criança recebeu a letra do seu nome em cartolina preta e foi convidada a desenhar com giz de cera branco. Já no 2° momento foi realizada a montagem de quadros individuais com pintura da borda e colagem, para compor uma exposição na escola.

Atividade 6 – Quadros, desenhos e imagens de Cordel.

No 1º momento, se propôs uma releitura de imagens de quadros de cordel, utilizando a abordagem de pintura branco no preto ou o inverso, articulando a contextualização, o fazer artístico e a apreciação.

No 2° momento, a professora fez um desenho de algum objeto, planta, pessoa do quadro escolhido para fazer a xilogravura: Xilogravura em isopor, utilizando tinta preta. No 3° momento, a criança passou guache com o rolo no isopor, depois colocou o A4 em cima, passou a mão até aparecer a silhueta do desenho. E 4° momento, foi realizada a exposição em varal das xilogravuras.

Atividade 7 – Brincar com as rimas e arriscar nas poesias.

No 1° momento, procurou-se aguçar a escuta nos vídeos de cordel, dando ênfase as rimas: Pique surpresa: Cordel para crianças. No 2º momento, foram feitas perguntas sobre o vídeo que acabaram de ver: O que você acha que tinha dentro do baú da imaginação? Quais os brinquedos que apareceram na história contada? E no 3° momento foi analisado o quadro de cordel feito pela turma com as perguntas da professora: Esse é um cordel? O que tem desenhado no nosso quadro? Como é cada desenho? O que cada desenho faz? No 4° momento foi feito registro oral das crianças. Estes registros orais é que foram utilizados para a criação dos podcasts.

Atividade 8 – A narração do Cordel.

No 1° momento, conversamos com as crianças sobre a gravação do nosso cordel. No 2° momento, treinamos com as crianças o cordel, especificando a rima na fala e no 3° momento, gravamos o áudio do cordel.

Atividade 9- Do rio de lá para o rio de cá.

 No 1º momento, apresentamos para as crianças o samba enredo da Escola de Samba Salgueiro de 1994, cujo tema foi: Rio de lá pra cá. No 2º momento, conversamos com as crianças sobre as belezas da cidade do Rio de Janeiro e quais pontos turísticos da cidade maravilhosa já ouviram falar ou até chegaram a conhecer. No 3º momento, trabalhamos com as crianças a letra do samba-enredo:

“Meu Rio que é um rio de alegria

Transborda de felicidade (e vem mostrar)

            Vem mostrar as tradições

O jeitinho dessa gente e da coroa real

Sua beleza, seus festejos e encantos

Germinam nos quatro cantos

Sementes de amor

De lá pra cá o rio se glorificou.”

(Trecho do Samba-enredo da Salgueiro: Rio de lá pra cá. Compositores: Celso Trindade,   Demá Chagas, Bala, Arizão, Guaracy e Quinzinho. Rio de Janeiro, 1994)

Atividade 10 – O encontro dos rios pelo Cordel.

No 1° momento, apresentamos para as crianças as músicas que foram apresentadas na culminância do projeto: Sobradinho de Chico César, Praia de Ramos de Dicró, O Barquinho de Elis Regina e Eu sou o São João de Del Feliz, Fábio Salvador e Tom Oliveira. No 2° momento, problematizamos a letra das músicas para valorizar esse lugar que a criança ocupa na cidade.  No 3° momento, montamos uma coreografia que foi apresentada junto com outras turmas. E no 4° e último momento, apresentamos a dança, encenando parte da história da migração do Rio de Janeiro.

Vale ressaltar, que as apresentações foram realizadas com a interação de diferentes turmas da Pré-escola, onde as turmas tiveram a oportunidade de conhecerem músicas nordestinas e músicas cariocas e puderam fazer uma interrelação entre elas.

Todas as propostas didáticas apresentadas foram fundamentais para a realização de uma aprendizagem significativa e contextualizada, proporcionando às crianças pequenas uma maior aproximação com a cultura na qual estão inseridas e ao mesmo tempo uma maior valorização com outras culturas.

Considerações Finais

Sabemos o quanto é maravilhoso e incrível o universo infantil e a partir das criações de diferentes narrativas utilizando a literatura de cordel e os podcasts, foi possível promover a interação entre as crianças, professores e a comunidade escolar, através de produções artísticas e autorais das crianças que posteriormente, poderão ser apresentadas nos canais oficiais da escola, assim como apresentadas em outras plataformas digitais da Secretaria Municipal de Educação da Cidade do Rio de Janeiro.

O resultado a partir das propostas metodológicas pode ser compreendido pelo interesse e participação das crianças nos diferentes momentos propostos durante toda a realização do projeto: Do rio de lá para o rio de cá: o encontro da cultura do nordeste com a cultura do Rio de Janeiro. Através de múltiplas possibilidades as crianças sentiram-se incentivadas a mostrar a sua criatividade através de desenhos e utilização de diferentes técnicas, dentre outros. Nessa perspectiva, as crianças escolheram um de seus desenhos favoritos e montaram uma exposição pelos corredores da unidade escolar, criaram podcasts, realizaram apresentações e dramatizações. Enfim, desenvolveram as competências e habilidades essenciais preconizadas na BNCC e lhes foi garantido os direitos de aprendizagem e desenvolvimento como: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se.