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Mundo encantado do aprender: A alfabetização prazerosa e significativa

Autora: Thaís da Silva Alcantara Duwe​


O trabalho foi realizado no primeiro ano com o princípio de envolver a leitura do livro “Chuva de manga” através das diversas áreas do conhecimento. É articulado com os descritores do Currículo Carioca, a Matriz de Referência e as vivências sociais associados ao livro. Trata-se da interdisciplinaridade através do livro paradidático ampliando os horizontes e envolvendo o grupo em novas experiências. O investimento foi na produção textual utilizando as narrativas significativas, que nasceram com a chegada do boneco de pano na sala de aula.

 

O MUNDO ENCANTADO DO APRENDER: A ALFABETIZAÇÃO PRAZEROSA E SIGNIFICATIVA

A alfabetização é a fase da caminhada do estudante mais importante, pois aprender a ler e escrever é o primeiro passo para a autonomia da pessoa no campo social. Nesta conversa trago uma sequência de atividades em que aprender a ler e escrever acontece com significado e prazer.

No primeiro momento acontece uma roda de leitura, em seguida, desenvolvemos uma sequência didática interdisciplinar, depois, é enredado o lúdico para a criação de uma narrativa real, para isso utilizei um boneco de pano e por fim, realizamos atividades significativas que são elaboradas pelo pertencimento, ou seja, experiências vividas pelos alunos junto ao boneco.

A roda de leitura é um importante momento diário, realizado em minha sala de aula, geradora de trocas e de muita aprendizagem. É um espaço em que podemos articular diversas situações, exemplificar cenários, oralizar relatos com experiências que agregam valores no campo social. Pensando em envolver uma prática significativa e prazerosa aos meus alunos de alfabetização trouxe para a rodinha o livro “Chuva de manga” de James Rumford em que o autor narra a história de um menino que vive em Chade, África e que trata com simplicidade sua rotina habitual e expressa com delicadeza a importância da natureza em sua vida.

Acredito que a literatura infantil é uma ferramenta bastante ampla para ser usada em sala de aula, pode ser para deleite como também, para sistematizar e ampliar o conhecimento. Segundo Santa’Anna:

Quando o que se deseja é formar uma criança que tenha princípios e valores capazes de recriar um mundo melhor, a literatura infantil tem que ser considerada como um auxílio importante, porque é capaz de possibilitar acesso ao real sem impedir a riqueza do imaginário.
(SANT’ANNA, 2004, p.32)


O mundo imaginário nesta faixa etária também é algo que me contagia! Como educadora proponho vivências aonde o campo da imaginação se torna ferramenta de criação. Começamos a refletir na vida do personagem do livro “Chuva de manga” chamado Tomás. Os alunos compartilharam de experiências em que eles mesmos experimentaram e compararam com as vividas pelo Tomás. Como, por exemplo, o brinquedo que Tomás tem, as roupas que ele veste… Foram trabalhados vídeos do YouTube da região do Chade para conhecermos um pouco mais do lugar e abordamos temáticas tão delicadas como, por exemplo, a escassez da água, a fome e o desperdício (figura 1).


Figura 1. Fonte: Acervo pessoal da autora.

Considerando o interesse da turma pela história busquei tratar do livro com a elaboração de uma sequência didática interdisciplinar, na qual aborda os descritores do Currículo Carioca, a Matriz de Referência e as vivências sociais articuladas pelo livro.

As áreas de conhecimento das atividades propostas foram de Ciências, Geografia, História, Matemática e Língua Portuguesa, que apresentarei passo a passo seguidamente.

A princípio criamos o personagem Tomás, do livro Chuva de manga, em papel pardo. Contornei sua silhueta de tinta guache preto e a turma o pintou com muito cuidado e capricho. Em seguida, o colocamos no mural do fundo da sala. Ele está tentando pegar mangas na mangueira bem a sua frente. Mangueira tal, que fora confeccionada por mim e seus frutos pintados pelos alunos. Neste momento, sinalizei ao grupo a atenção ao processo de amadurecimento das mangas, que foram pintadas pelos alunos, pois estavam começando a crescer após as chuvas. Nesta ocasião trabalhamos as estações do ano, a passagem do tempo, as plantas e as suas partes (figura 2).

 

Figura 2. Fonte: Acervo pessoal da autora

Ao longo da semana, realizamos atividades dirigidas com o calendário (registro do dia que as mangas nasceram na mangueira), com o nome do Tomás, com a capa do livro, com a interpretação de texto, com a segmentação de palavras de um trecho retirado do livro, com produção textual e com mapa/cartografia. Constata-se a variedade de conteúdos explorados pelo grupo discente.

Passadas duas semanas, levei os alunos a pintarem a manga, agora, em sua forma madura. Voltamos a olhar para o calendário e examinamos o dia em que tínhamos pintado a manga verde e verificamos o tempo que os frutos levaram para amadurecer. Ainda envolvemos temáticas com o dia de semana, os finais de semana, quantos dias tem o mês de maio etc. Então a árvore do mural, recebeu as mangas bem madurinhas e a turma amou o resultado! 

O próximo passo, foi colocar no chão da sala, uma folha de papel 40 quilos e com pedaços de meia calça criamos as partes do corpo do personagem da história. Após finalizarmos a composição do corpo humano, tirei uma foto do cartaz e imprimi utilizando o programa Posteriza que faz posteres, ou seja, imprime ampliando a imagem. A foto ampliada virou um cartaz, o colei no quadro e registramos os nomes das partes do corpo e as características do Tomás que faltavam. Também registramos em uma folha a mesma atividade. Neste momento desenvolvemos habilidades em Ciências: partes do corpo, cuidados de higiene, alimentação saudável para se obter qualidade de vida e sobre o ciclo da vida (figura 3).


Figura 3. Fonte: Acervo pessoal da autora.

No campo da Matemática também desenvolvemos habilidades de sequências numéricas com as mangas da árvore, realizamos operações de adição e subtração e identificamos formas geométricas. Recriamos o brinquedo de Tomás com as formas geométricas.

No campo da Língua Portuguesa, elaborei atividades dirigidas que envolveram a consciência fonológica, a escrita de palavras através de auto ditado, além de momentos para escrita espontânea, sendo mediada com o aluno sempre quando se levantava dúvidas.

O tópico “o lúdico para uma criação de uma narrativa real” acontece através da transformação do personagem fictício em um ser real, concreto. Este mundo encantado iniciou com a minha fala sobre a possibilidade de Tomás vir ao Brasil e conhecer a turma 1102. A partir daí despertei este mundo da imaginação. Disse as crianças que enviei um recado a ele por e-mail e que avisaria a turma quando obtivesse resposta. Preparei o retorno de Tomás em forma de carta. Destaco os trabalhos com estes gêneros textuais. Em seguida, trouxe para a turma a carta de Tomás como cartaz impresso pelo programa Posteriza. Neste cartaz trabalhamos sobre o gênero e constatamos as informações e descobrimos o “sim” de Tomás para sua vinda ao Brasil. A turma ficou muito feliz.


Figura 4. Fonte: Acervo pessoal da autora.


Marcamos o dia da chegada de Tomás ao Brasil e elaboramos um cartaz contendo a programação deste dia. Conforme na imagem da figura 4 organizamos o plano para o dia do Tomás com a participação do professor do sexto ano, que foi quem buscou Tomás “lá na África” e trouxe fotos das experiências incríveis que eles tiveram na África do Sul. Também tivemos a participação da nossa coordenadora que contou a história Chuva de manga para a turma maravilhosamente. Além disso, reservamos momentos com fotos e vídeos do passeio com o professor junto com Tomás, com músicas africanas, com brincadeiras e com um delicioso lanche com uma saborosa salada de manga fresca!

No dia da chegada, nossas diretoras buscaram o professor e Tomás no aeroporto e tomaram um café da manhã com ele e trouxeram ele para a turma, que já estavam ansiosos para conhecer o novo amigo. Quando o Boneco chegou os olhos brilharam e eles entraram no mundo da imaginação e aceitaram o amigo, boneco de pano, do jeitinho que ele é! Todos o abraçaram e disputavam um tempinho de intimidade. Foi um dia mágico que marcou o coração da turma! O boneco foi confeccionado por mim. Nele utilizei meia calça, espuma, cartolina, absorvente geriátrico, fralda descartável e lã. O boneco foi todo alinhavado com muito carinho (figura 5).

Figura 5. Fonte: Acervo pessoal da autora.

 

Com a novidade do boneco Tomás foram promovidas novas propostas para o trabalho. Tomás é um turista e está superanimado de conhecer pessoas, lugares, cultura do nosso povo e muito mais. Ele tem uma mala com itens pessoais como roupa, sapatos e até mesmo o passaporte. Ele vai para casa de um aluno sorteado e aproveita o final de semana com a família. Ele leva na sua mala dois livros: Chuva de manga e outro que o aluno escolhe no acervo do cantinho de leitura da sala para ler para a família e leva também um diário no qual a família registra todas as experiências vividas para o aluno compartilhar na rodinha na segunda-feira.

Toda segunda-feira, o aluno que ficou com o boneco no final de semana inicia o dia na rodinha compartilhando todas as experiências vividas com o amigo Tomás e depois responde perguntas que o grupo faz. É um momento livre de trocas, aprendizagens, de acesso às informações, de ampliação do vocabulário, de desenvolvimento da criticidade e de muitas interações e interesse na busca por conhecimento sobre assuntos diversos. O Tomás participa de todos os eventos escolares com os alunos e é reconhecido com carinho pelo grupo social escolar. Ele é um boneco, um brinquedo, que articula na vida da criança favorecendo o exercício de sua imaginação e possibilitando a experimentação de diferentes ações e realidades por meio do lúdico.

Por último, as atividades significativas pelo pertencimento são pelo simples fato de articular o boneco, que já é integrante da turma, às atividades, principalmente, de produção textual.

Pode-se afirmar que o boneco Tomás tem um laço afetivo e significativo na vida dos meus alunos. Nessa ótica simbólica busco investir na sistematização da escrita com produções textuais utilizando imagens como ponto de partida para escrever. Registrar aquilo que se tem intimidade, conhecimento e embasamento traz segurança e proporciona expansão no texto.

Quando se trata de alunos no processo de alfabetização escrever com sentidos favorece o desenvolvimento da escrita, trata-se de uma atividade que todos gastam de fazer porque interagem e compartilham do mesmo momento de criação e inspiram uns aos outros.


Na figura 6 ilustro dois momentos de produção textual de uma criança. Pode-se observar que ela aprimorou ainda mais seu texto na segunda foto, não deixou faltar os detalhes da imagem e citou cada personagem. Outra estratégia que usei para regular a consciência da função social de um texto foi escanear a produção textual escrita por uma criança sem a correção e projetar este trabalho para que o grupo lesse e observasse sua organização e fizesse possíveis correções, tudo de forma coletiva. Isso leva o aluno a perceber que o texto serve para se comunicar.

O boneco Tomás também permitiu abordar a temática sobre as relações étnico-raciais. É importante compreender as relações sociais diárias de cada um, buscando conhecer as raízes culturais através das trocas de experiências entre aluno – aluno, aluno – professor e aluno – comunidade. É dialogar sobre um amplo conceito que busca orientar a criança a conhecer-se e conhecer o outro. Compreender a importância do respeito às diferenças, ou seja, cada um tem seu jeito de ser e que deve ser respeitado. Perceber as diferenças étnicas, raciais, culturais etc., como tão necessária à formação de um povo é ensinar que todos temos raízes, histórias e que somos importantes por isso.

Figura 6. Fonte: Acervo pessoal da autora

É notório que o Tomás foi bem acolhido pelo grupo. No dia a dia o “Tomás está em todas”, no recreio, na sala de leitura, no refeitório, nas danças, nas atividades pedagógicas desenvolvidas, como por exemplo, folclore e festa do pijama. Todo o zelo ao segurar e a cooperação de cada um, ter o seu tempo com o boneco reflete todas as conversas e trocas que tivemos e ainda temos nas rodas, no dia a dia, ao meu pensar: CADA ATITUDE APLICADA NO TOMÁS REFLETE NA ATITUDE DA CRIANÇA COM OUTRA CRIANÇA! O afeto que sinto com meu amigo Tomás também posso sentir com qualquer um sem estereótipos.

Um relato: Uma Aluna nova que entrara após o recesso apresentava timidez e introversão. Para se comunicar comigo chegava bem perto e falava baixo. No dia que ela foi sorteada percebi muita alegria e a vontade com os colegas, que a ajudaram a pegar os pertences do boneco para dar a saída. Quando estávamos indo para o pátio, ela percebeu que Tomás tinha perdido um par do tênis e rapidamente me informou e disse que o Tomás perdeu o tênis no refeitório e entregou o boneco a mim e mais que depressa correu atrás e o encontrou! Aquela menina quieta demonstrou uma proatividade atitudinal e a partir daí percebi o quanto ela está solta no grupo que interage e se comunica desprendida com o grupo.         

  O trabalho com o Tomás vai até acabar o ano e, sempre que possível, envolverei o nosso amigo para proporcionar uma aprendizagem significativa e prazerosa.

Thaís da Silva Alcantara Duwe

Pós-graduada em Psicopedagogia e graduada em Letras – Português/Inglês. Professora da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro há 6 anos, atuando com turmas de alfabetização. Atualmente, trabalha na E/CRE (09.18.099) Escola Municipal Primário Professor Antônio Boaventura.

REFERÊNCIAS

SANT’ANNA, Vera Lúcia Lins. Livros: encontro marcado com o mundo. AMAE educando, Belo Horizonte, v.37, n.323, p.32, maio, 2004.

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