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Tecnologia e Educação

Autora: Priscila Matos Resinentti

Com certeza você já ouviu falar sobre a Geração Alpha. Sim, são os nascidos a partir de 2010 e que são ágeis, conectados, curiosos, impacientes e ansiosos. Eles têm contato com o mundo digital desde o início da vida, e há quem diga que essas crianças já nascem mais espertas, sabendo operar com a tecnologia. Biologicamente não há indícios de que tenham mudado, mas a tecnologia é propulsora de modificações em múltiplas dimensões: comportamento, aprendizagem, produção de conhecimento etc. Elas estão imersas em novos estímulos! 

Considerando que a aprendizagem “é alguma mudança mensurável ou perceptível em resposta a determinada situação” (Veen; Vrakking, 2009), podemos entender que aprendemos em várias situações, inclusive com as atividades do Homo zappiens, que é o tipo considerado “nativo digital”. Mas, já percebeu que, apesar de termos alunos que consomem muita tecnologia e produtos que circulam nas mídias, eles não são “nativos de uso pedagógico”? Há muito o que fazer.

O autor francês Michel Serres (2013) chama de “Polegarzinha” a nova geração de adolescentes e jovens que utiliza os polegares para digitar mensagens de texto, e habita o virtual, vivendo “dentro” das novas tecnologias – diferentemente da geração passada que vive “com” as novas tecnologias. Na abertura da obra desse autor, ele nos impõe uma provocação: “Antes de ensinar o que quer que seja a alguém, é preciso, no mínimo, conhecer esse alguém. Nos dias de hoje, quem se candidata à escola, ao ensino básico, à universidade?”. Desse modo, precisamos entender o contexto em que os estudantes estão inseridos e os seus direitos de aprendizagem para que possam operar com a realidade e romper as barreiras da desigualdade.

A inserção da tecnologia e o protagonismo do estudante na sociedade são orientações que norteiam as competências gerais e específicas de todos os componentes curriculares da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) na Educação Básica (Brasil, 2018). Segundo Guiomar Namo de Mello (2014):

 […] fica cada vez mais claro que viver, ser criativo e participativo, produtivo e responsável no novo cenário tecnológico, requer muito mais do que a acumulação de conhecimentos. Aprender a aprender, saber lidar com a informação cada vez mais disponível, aplicar conhecimentos para resolver problemas, ter autonomia para tomar decisões, ser proativo para identificar os dados de uma situação e buscar soluções, tornam-se objetivos mais valiosos do que o conhecimento desinteressado e erudito da escola do passado. (Mello, 2014, p. 8).

Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva, essa é a definição da competência geral “Cultura Digital”. Observem os verbos cognitivos: i) compreender – capacidade de entendimento; ii) utilizar – empregar (algo) em ou para determinado fim; iii) criar – fazer existir, dar origem. São habilidades imbricadas em uma progressão de aprendizagem, ou seja, há uma relação de dependência, de pré-requisito. Precisamos trabalhar primeiro o entendimento dessa realidade para que os alunos possam fazer um bom uso da tecnologia, e consigam saltar do status de consumidores para produtores qualificados.

Para Moran (2015, p.17):

[…] as metodologias precisam acompanhar os objetivos pretendidos. Se queremos que os alunos sejam proativos, precisamos adotar metodologias em que os alunos se envolvam em atividades cada vez mais complexas, em que tenham que tomar decisões e avaliar os resultados, com apoio de materiais relevantes. Se queremos que sejam criativos, eles precisam experimentar inúmeras novas possibilidades de mostrar sua iniciativa.

Por essa razão, muitos são os autores (como exemplos: Moran, Sahagoff, Diesel, Baldez, Martins) que definem o uso das chamadas “metodologias ativas ou inovadoras de ensino”, que apresentam como característica a ação “minds in and hands on”, ou seja, colocam o aluno no centro da aprendizagem para exercer protagonismo.

É de extrema relevância pensar numa nova educação para este século. Esse novo modelo de educação deve ser inovador, criativo e tecnológico, caso contrário, não conseguirá atender esse “novo” aluno. Portanto, a autonomia, a descoberta e a capacidade de questionamento são fundamentais para o desenvolvimento desse educando (Sahagoff, 2019).

Assim, em contraposição ao método tradicional, em que os estudantes possuem postura passiva de recepção de teorias, o método ativo propõe o movimento inverso, ou seja, eles passam a ser compreendidos como sujeitos históricos e, portanto, a assumir um papel ativo na aprendizagem, posto que têm suas experiências, saberes e opiniões valorizados como ponto de partida para a construção do conhecimento (Diesel; Baldez; Martins, 2017, p.271).

O objetivo do desenvolvimento das metodologias ativas em sala de aula é estimular a autonomia intelectual dos alunos por meio de atividades planejadas. O método ainda conta com o uso das tecnologias como ferramentas para potencializar o aprendizado, num processo que visa estimular a autoaprendizagem e a curiosidade do aluno para pesquisar, refletir e analisar possíveis situações, o que é necessário para uma tomada de decisão assertiva (Sahagoff, 2019).

Vamos, então, discorrer sobre os possíveis efeitos das novas tecnologias como, por exemplo, a inteligência artificial?

Segundo o documento intitulado “Is Education Losing the Race with Technology AI’s Progress in Maths and Reading” e publicado em março de 2023 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os avanços na inteligência artificial (IA) estão inaugurando uma grande e rápida transformação tecnológica. Nesse contexto, indica-se que os sistemas educativos devem reforçar as competências básicas dos estudantes e ensiná-los a trabalhar em conjunto com a IA.

Comparado com o passado das tecnologias, a IA e a robótica podem igualar ou, até mesmo, superar os humanos em uma lista de tarefas. A verdade é que as novas tecnologias podem mudar profundamente a maneira como as pessoas vivem e trabalham. Contudo, será que essas mudanças estão chegando às salas de aula?

Há uma desconfiança, por parte de alguns, de que a tecnologia vai substituir o papel do professor, no entanto, os docentes desempenham um papel fundamental no desenvolvimento de habilidades sociais, emocionais e de pensamento crítico. Essas habilidades são desafiadoras para a tecnologia replicar, tornando a presença de professores ainda mais valiosa. Mesmo com avanços tecnológicos, a presença e a influência dos professores continuarão a ser essenciais para o desenvolvimento integral dos alunos.

As informações sobre os efeitos positivos da tecnologia na educação são amplamente discutidas em literatura acadêmica, relatórios de pesquisa, artigos de notícias e opiniões de especialistas na área de educação e tecnologia. A tecnologia tem tido impactos positivos e significativos na educação, transformando a forma como aprendemos e ensinamos. Nesse sentido, podemos destacar que a tecnologia está desempenhando um papel cada vez mais importante na educação de várias maneiras. A seguir, desdobro alguns pontos a serem considerados.

A tecnologia frequentemente é vista como uma ferramenta complementar à educação tradicional. Ela pode auxiliar os professores fornecendo recursos de ensino, plataformas de aprendizado online e ferramentas interativas que enriquecem a experiência de aprendizado, desempenhando um papel de complementaridade. A internet trouxe um vasto conjunto de recursos educativos, incluindo vídeos, cursos online, tutoriais, e-books e materiais interativos. Isso permite que os alunos acessem informações e aprendam sobre uma variedade de tópicos além do currículo tradicional.

As tecnologias educacionais, como plataformas de aprendizado adaptativo, permitem que os educadores personalizem a instrução para atender às necessidades individuais dos alunos. Isso ajuda a abordar lacunas no conhecimento, aumentando o engajamento dos professores no (re)planejamento das ações com base em evidências. Com um feedback imediato, permite que os alunos identifiquem áreas de melhoria rapidamente, e ajustem sua abordagem de estudo para promover um progresso eficaz por entenderem em que habilidades precisam se empenhar mais.

Outro benefício que pode ser destacado é o uso de elementos visuais e interativos, como simulações, gráficos animados e jogos educativos. Esses recursos podem tornar conceitos complexos mais compreensíveis e estimulantes para os discentes. Não temos apenas uma forma de aprender e, por isso, a multiplicidade de recursos pode ser muito favorável aos diferentes caminhos cognitivos, gerando uma flexibilidade no processo de aprendizagem.

Por fim, podemos ressaltar que a tecnologia educacional assistiva pode tornar o aprendizado mais acessível para alunos com necessidades educacionais específicas, oferecendo ferramentas de leitura em voz alta, legendas automáticas e outras adaptações. Tecnologia assistiva refere-se a uma ampla gama de dispositivos, equipamentos, softwares e sistemas projetados com foco principal na redução das barreiras enfrentadas por pessoas com deficiência, permitindo-lhes participar mais ativamente na sociedade.

Embora a tecnologia traga muitos benefícios, também é necessário considerar os desafios, como a necessidade de equilibrar o uso saudável da tecnologia, garantir a segurança online e abordar possíveis desigualdades de acesso. O uso da tecnologia na educação também enfrenta várias críticas e preocupações.

Nem todos os alunos têm igual acesso à tecnologia e à internet. Isso pode criar uma divisão digital, onde alguns estudantes têm vantagens educacionais enquanto outros ficam para trás devido à falta de acesso a recursos tecnológicos.

O uso excessivo e sem a mediação correta também precisam ser considerados. O ato de ensinar envolve interações interpessoais significativas entre alunos e professores. O aumento do uso da tecnologia pode resultar em menos oportunidades para interações pessoais e discussões em sala de aula. É preciso prezar pela intencionalidade pedagógica.

Além disso, a dependência da tecnologia pode reduzir a capacidade dos alunos de resolver problemas e pensar criticamente por conta própria, já que podem se apoiar demais em recursos tecnológicos.

Adicionalmente, nem todo o conteúdo online é confiável ou de alta qualidade. Os alunos podem ser expostos a informações erradas ou desatualizadas, o que pode prejudicar sua aprendizagem. Mais uma vez, reforça-se o papel do professor para desenvolver a capacidade crítica, criativa e ética.

É importante abordar essas críticas e preocupações de maneira equilibrada, considerando tanto os benefícios quanto os desafios da integração da tecnologia na educação. Isso abrange o desenvolvimento de estratégias para mitigar os riscos e maximizar os aspectos positivos da tecnologia no contexto educacional. Uma questão fundamental é a formação dos professores para o uso dos recursos disponíveis. A integração da tecnologia na formação de professores apresenta oportunidades para aprimorar as habilidades pedagógicas, adaptar-se às necessidades dos alunos e preparar os educadores para um ambiente educacional em constante evolução. A formação continuada em tecnologia não deve ser um evento único; os professores em exercício também devem receber oportunidades regulares de desenvolvimento profissional nesse sentido. 

A formação continuada ajuda os professores a desenvolverem habilidades digitais essenciais, desde a utilização de ferramentas básicas até a compreensão de conceitos avançados, como inteligência artificial e realidade virtual que estejam a serviço da ampliação de repertório cultural e das aprendizagens das crianças, adolescentes e adultos. Também auxilia a enfrentar desafios emergentes, como a integração responsável da inteligência artificial, a proteção da privacidade dos alunos e a promoção da cidadania digital.

Investir na formação de professores resulta tanto em desenvolvimento educacional quanto no progresso social. Professores bem formados são essenciais para oferecer uma educação de qualidade. Eles compreendem melhor as práticas pedagógicas, métodos de ensino eficazes e estratégias para engajar os alunos.

Libâneo afirma que:

[…] o que está em questão, portanto é uma formação que ajude o aluno a transformar-se num sujeito pensante, do modo que aprenda a utilizar seu potencial de pensamento por meio de meios cognitivos de construção e reconstrução de conceitos, habilidades, atitudes, valores. Trata-se de investir numa combinação bem-sucedida da assimilação consciente e ativa desses conteúdos como o desenvolvimento de capacidades cognitivas e afetivas pelos alunos visando a formação de estruturas próprias de pensamento, ou seja, instrumentos conceituais de apreensão dos objetos de conhecimento, mediante a condução pedagógica do professor que disporá de práticas de ensino intencionais e sistemáticas de promover o ensinar a aprender a pensar. (2011, p. 31).

Diante do exposto, algumas inquietações emergem desse contexto, e devem permanecer em nós gerando reflexão-ação-reflexão. Estamos, de fato, conhecendo os nossos estudantes e agindo em prol de uma formação também para a cidadania digital, que é uma competência essencial para indivíduos de todas as idades? A cidadania digital refere-se ao conjunto de habilidades, atitudes e conhecimentos necessários para participar de forma responsável, ética e segura na sociedade digital, envolvendo a compreensão das normas de comportamento online, a conscientização sobre questões de segurança cibernética, a proteção da privacidade e a promoção do uso responsável da tecnologia.

Priscila Matos Resinentti

Possui graduação em Ciências Biológicas - Licenciatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2006), especialização em Educação Básica pela UERJ (2009), mestrado em Educação pela PUCRio (2012) e doutorado em Ciências Humanas - Educação pela PUC-Rio (2017). Atualmente, é integrante da Gerência de Formação - Anos Finais na Escola de Formação de Professores Paulo Freire (GEFAF/EPF/SME).

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2018

DIESEL, Aline; BALDEZ, Alda Leila Santos; MARTINS, Silvana Neumann. Os princípios das metodologias ativas: uma abordagem teórica. Revista Thema, v.14, n.1, p. 268-288, 2017. Disponível em: //dx.doi.org/10.15536/thema.14.2017.268-288.404. Acesso em: 7 mar. 2018.

LIBÂNEO, José Carlos. Adeus professor, adeus professora? Novas exigências educacionais e profissão docente. São Paulo: Cortez, 2011.

MORAN, José. A educação que desejamos: novos desafios e como chegar lá. 2. ed. Campinas, SP: Papiros, 2007.

MORAN, José. Mudando a educação com metodologias ativas. In: SOUZA, Carlos Alberto de; MORALES, Ofelia Elisa Torres (org.). Convergências midiáticas, educação e cidadania: aproximações jovens. Ponta Grossa: UEPG/PROEX, 2015. (Coleção mídias contemporâneas; v. 2). Disponível em: http://www2.eca.usp.br/moran/wp-content/uploads/2013/12/mudando_moran.pdf. Acesso em: 28 abr. 2019.

MELLO, Guiomar Namo de. Currículo da educação básica no Brasil: concepções e políticas. São Paulo: CEESP, 2014. Disponível em: http://www.ceesp.sp.gov.br/comunicado.php?id=321. Acesso em: 27 set. 2023.

OECD. Is education losing the race with technology? AI’s progress in maths and reading. Educational Research and Innovation, Paris, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.1787/73105f99-en.

SAHAGOFF, Ana Paula da Cunha. Metodologias ativas: um estudo sobre práticas pedagógicas. In: ANDRADE JUNIOR, Jacks de Mello; SOUZA, Liliane Pereira de; SILVA, Neidi Liziane Copetti da (org.). Metodologias ativas: práticas pedagógicas na contemporaneidade. Campo Grande: Editora Inovar, 2019. 

SERRES, Michel. Polegarzinha. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.

VEEN, W.; VRAKKING, B. Homo zappiens: educando na era digital. Porto Alegre: Artmed, 2009.

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